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10/11/2004 Undime

Escassez de recursos determina baixa qualidade da educação brasileira

A despeito dos elogios do diretor-geral da Unesco e do discurso do presidente Lula – para quem “dinheiro não será problema” para melhorar a qualidade da educação -, financiamento incipiente permanece como principal condicionante da posição inferior do Brasil em comparação com outros países.  

Brasília – A qualidade da educação é o tema central da IV Reunião do Grupo de Alto Nível do programa Educação para Todos, criado no âmbito das Nações Unidas na Conferência de Dacar, em 2000. O programa estabelece metas na área para 2015, algumas delas vão ao encontro dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) da ONU. Na abertura do encontro, realizada nesta segunda-feira (8) no Palácio do Itamaraty, o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Koichiro Matsuura, fez questão de destacar os avanços conquistados no Brasil.

De acordo com a autoridade máxima da Unesco, o Brasil apresentou um “notável progresso” com “políticas públicas fortes”, dentro de uma “estratégia concreta de inclusão social” que demonstram

“ganhos expressivos”. Relatório de monitoramento do Educação para Todos, no entanto, mostra que apesar dos esforços, o Brasil aparece apenas na 72a posição do ranking de progresso atingido entre 127 países analisados. O ranking foi elaborado com base em um índice que compila as quatro metas de Dacar que são mensuráveis - nível de educação primária universal, alfabetização entre adultos, qualidade da educação (utilizando a taxa de permanência de alunos até a 5a série como indicador) e paridade de gênero. No mesmo ranking, a Argentina está na 23a posição. Cuba ocupa o 30º lugar e o Chile, o 32º.

O relatório ainda aponta o que poderia caracterizar “a maior parte das tentativas de definir a qualidade na educação”: desenvolvimento cognitivo dos alunos e a promoção de valores e atitudes de cidadania responsável e no cultivo do desenvolvimento criativo e emocional. “Aumentos de qualidade podem muitas vezes ser atingidos a custos módicos, ao alcance de países mais pobres”, complementa em outro trecho o documento da Unesco.

Presente na cerimônia, o presidente Lula garantiu, por sua vez, que “dinheiro não será problema para criar e implementar ações nessas áreas”. Lula destacou o esforço do governo, entre outras frentes, no aumento de recursos para a educação no Orçamento de 2005, na capacitação de professores, na iniciativa da Reforma Universitária, no lançamento do Programa Universidade para Todos (que prevê a troca de isenção fiscal por vagas em instituições privadas de ensino superior; leia: Interesses privados dominam disputa por ampliação de acesso) e no envio do projeto de lei que estabelece cotas de acesso às instituições federais de ensino superior para alunos egressos de escolas públicas. E para provar que está comprometido “até a alma” com as metas do milênio, o presidente lançou um prêmio de estímulo para prefeitos, governadores e organizações da sociedade civil que se destacarem na promoção da educação, que deve passar a ser concedido a partir de 2006.

As declarações de Lula acenderam os ânimos dos participantes da reunião paralela de organizações da sociedade civil ligadas à educação de várias partes do mundo, que estiveram no auditório do Itamaraty e fizeram um protesto com uma bandeira em defesa da “educação como direito”.

Um dos cerca de 50 participantes do encontro paralelo, José Marcelino Rezende, professor na Universidade de São Paulo (USP) no campus de Ribeirão Preto e integrante da Rede de Pesquisadores em Financiamento Educacional, questiona a afirmação de que “dinheiro não será problema”.

Autor de um estudo que traça projeções da relação custo-aluno com a qualidade de ensino, Marcelino observa que o Brasil tem um problema histórico de estrutura de financiamento. “O problema é o dinheiro mesmo”, garante. A forma mais adequada que se encontrou, durante os períodos democráticos, foi a adoção do princípio da vinculação mínima. Em alguns outros países, ressalta, o financiamento da educação é definido pelas verbas necessárias para atender uma demanda de custo por aluno. Ou seja, no Brasil, a referência não é o recurso necessário, mas sim o recurso disponível.

O pesquisador lembra ainda que a Constituição de 1988 previu um padrão da garantia de qualidade e, em 1996, dois outros dispostivos garantiram novos patamares de qualidade na lei do País. A emenda ao Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) trouxe a redução de disparidades regionais e a fixação de um patamar mínimo de custo-aluno como deveres da União.

Até hoje, no entanto, a média do dinheiro gasto por cada aluno por meio do Fundef em São Paulo supera o triplo do valor aplicado, porn exemplo, no Pará. Outro peça legislativa relacionada com a qualidade foi a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que definiu um padrão mínimo de rumos e valores para os educadores.

De acordo com projeção feita pelo professor Marcelino, os insumos básicos para uma educação de boa qualidade (biblioteca, jornadas estendidas de professores e alunos para gestão democrática, salários mais adequados, etc.) resultariam em um custo de cerca de R$ 1 mil por cada aluno anuais. Hoje, para os alunos de 1ª à 4ª série, o valor do Fundef deveria ser de R$ 864 e para os de 5ª à 8ª série, R$ 907. Decreto presidencial de janeiro deste ano, no entanto, estabeleceu novos valores: R$ 537 e R$ 564, respectivamente. Tanto o mecanismo do Fundef quanto o do Fundo Nacional de Manutenção e Desenvoleimento da Educação Básica (Fundeb) [leia também: “Sociedade civil” quer mais dinheiro da União no Fundeb e Fundeb traz novo conceito sem fonte segura para mais recursos], que está sendo planejado pelo governo federal, prevêem um investimento mínimo por aluno para ser cumprido nacionalmente. Os Estados que não conseguissem viabilizar esse mínimo, teriam que receber complementação da União.

“Com essa média [de R$ 1 mil/aluno/ano], seria necessário R$ 10 bilhões para garantir as condições necessárias para uma educação de qualidade”, estima o professor. “Só 1% do nosso PIB [Produto Interno Bruto] são R$ 14 bilhões”, aponta. Para ele, a questão fundamental para a questão da qualidade de ensino no Brasil é “quanto o governo federal está disposto a gastar?”. O montante de R$ 2,5 bilhões previstos para o Fundeb no Orçamento de 2005, na opinião de Marcelino, são um bom sinal. “Mas é preciso um choque frontal de recursos [próximo aos R$ 10 bi]. Bastaria 10% dos 10% do PIB que são destinados ao pagamento do juros da dívida. A verdade é que a classe média e os ricos não freqüentam escolas públicas. A escola pública é a do outro”.

Descrença
Logo após o encerramento da Reunião de Alto Nível, começa o encontro da Iniciativa Fast Track (Fast Track Iniciative-FTI), outro evento internacional que tratará justamente do financiamento da educação. Em abril de 2002, a comunidade internacional lançou a Iniciativa Fast Track com o objetivo de mobilizar recursos necessários para alcançar a seguinte meta: garantir que todas as crianças estejam na educação básica gratuita e de qualidade em 2015. A FTI é a primeira iniciativa global destinada a conolocar em prática o Consenso de Monterrey, que definiu competências e responsabilidades mútuas em novas parcerias de desenvolvimento entre governos e doadores.

Para o professor Marcelino, dificilmente haverá um financiamento externo que seja capaz de sanar o problema da qualidade da educação no Brasil. “Se conseguíssemos segurar o nosso dinheiro já seria bom”.


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