25/06/2003 Undime
O município metropolitano do Cabo de Santo Agostinho (PE), que tem 153 mil habitantes, comemorou nesta semana o título de primeira cidade do Nordeste a pôr na escola todas as crianças com idade entre 7 e 14 anos. Para conseguir a meta, a prefeitura envolveu a população, o Ministério Público e a Justiça, além de instituir a figura da professora domiciliar, que ensina na casa de crianças com deficiência física.
"Não há criança inapropriada para o aprendizado", frisou o prefeito Elias Gomes (PPS), que leva ao pé da letra o Programa Escola para Todos, criado no início do seu primeiro mandato, em 1997, quando elegeu a educação prioridade estratégica para o desenvolvimento do município. "Nosso conceito de inclusão vai além do social."
Ao assumir a prefeitura, Gomes encontrou cerca de 10 mil crianças fora da escola. Desde então ele tem investido em torno de 32% da receita municipal na área de educação - a Constituição determina 25% -, construiu 12 novas escolas, reformou e ampliou outras 59, criando 113 novas salas de aula. Em 1996, no fim da administração anterior, 26,2 mil crianças eram atendidas pela rede municipal de ensino. No ano passado, o número era de 39,4 mil.
Agora, chegou aos 100%, com 40,1 mil.
A prefeitura identificou quem ainda estava fora da escola ao fazer um recenseamento escolar, no ano passado, com visitas casa a casa, para servir de subsídio à elaboração do plano municipal de educação para os próximos dez anos. No fim de novembro, o levantamento indicou que 565 crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos estavam à margem do sistema de ensino.
"Fizemos um pacto no município e saímos em busca dessas crianças", contou o prefeito. Logo o número caiu para 450, já que algumas haviam deixado o município, outras morreram e outras saíram da faixa etária passando a ser incluídos na alfabetização de adultos.
Primeira série - A maioria dessas 450 crianças vive na periferia da cidade e se encontra abaixo da linha de pobreza, naquele ponto, observa o prefeito, em que os pais "não vêem nenhum significado na escola". É o caso dos irmãos Jorge Luiz, de 11 anos, David José, de 10, Édson Luiz, de 8, e Genildo Pedro da Silva, de 7. Abandonada pelo marido, a mãe Maria do Socorro pede esmolas e faz bicos para criar os filhos, que moram numa favela da Vila da Cohab. O mais velho ajuda a cuidar dos irmãos e nenhum deles sabia uma letra antes de começar a freqüentar a Escola Monteiro Lobato, no início do ano.
A vice-diretora da escola, Cilene Maria Gomes Silva, disse que eles têm dificuldade de socialização e aprendizado e já perderam muita aula por falta de sapato, roupa e até sabão para lavar os uniformes.
Os irmãos estudam na mesma sala, na primeira série. Jorge disse que tinha vontade de ir à escola, mas não tem sonhos. Não sabe o que quer ser quando crescer e só pensa em achar um jeito de levar algum dinheiro para casa. "Às vezes roço mato e ganho R$ 5."
Nos casos de maior resistência dos pais, em que os alunos são matriculados, mas abandonam a escola, os conselhos tutelares e o Ministério Público são acionados. E para garantir a permanência de todas as crianças na sala de aula foi criado o núcleo de combate a evasão e repetência, que faz o acompanhamento da freqüência e comportamento dos alunos.
"O desafio maior é mantê-las na escola e dar um ensino de qualidade", observou a secretária municipal de Educação, Ana Selma Santos, ao informar que os 1,3 mil professores municipais são capacitados mensalmente, recebem um jornal local todos os fins de semana, ganham um livro por ano e a carga horária inclui um tempo remunerado para estudo individual e coletivo.
Na porta de casa - A decisão de levar a escola para a casa de crianças deficientes deu cor e esperança à vida de Maria da Conceição Rocha da Silva, de 11 anos, e Diego Phellipe Lira, de 14.
Eles têm o mesmo problema, nasceram com má formação congênita da coluna, o que atrofia e paralisa os membros inferiores, e hidrocefalia, além de terem contraído meningite. Também têm em comum a pobreza e o fato de morarem em locais de difícil acesso, com ladeiras íngremes. Quando chove muito, eles ficam isolados.
Diego foi alfabetizado pelos tios. Na avaliação da professora domiciliar Marilene Josefa dos Ramos, no próximo ano o garoto terá condições de freqüentar a quinta série.
Maria da Conceição, de apelido Ceça, nunca estudou nem recebeu estímulos para isso. Sua casa não tem rádio nem televisão e ela não tem amigos.
"Quando chega alguma criança aqui fica olhando para minhas pernas", confidenciou ela à mãe, Luciana Rocha da Silva, de 36 anos, que está desempregada.
O grande sonho de Ceça era vestir um uniforme e ir para a escola. Mas, para poder freqüentar a escola, ela precisaria de uma cadeira de rodas. O uniforme ela já usa nas duas aulas semanais que recebe em casa desde o início do mês, com muita brincadeira e jogos de memorização.
"Estou muito feliz", disse Ceça, uma menina meiga e tímida. A mãe garante que a filha criou novo ânimo. "Antes ela vivia tristinha, agora vive apegada ao material escolar, nem quer mais saber da bonequinha", contou. Agora, o grande sonho de consumo de Ceça é ter um rádio, ou melhor, um micro system, para ouvir historinhas em CD.
Gratificada com o trabalho que vem desenvolvendo com "seus meninos", Marilene explicou que o ensino domiciliar tem caráter temporário. O objetivo é preparar o aluno e fazer a ponte entre ele e a professora regular. Com curso de educação especial e estágio em clínicas de atendimento a deficientes, ela atende na própria escola outros três alunos deficientes que têm condições de se locomover até a sala de aula, fazendo a integração deles com a classe e a professora.
Bastidores - Auxiliares importantes na localização das crianças fora da escola, agentes jovens egressos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) estão orgulhosos com a conquista do município. Ivani Patrícia da Silva, Ivânia Lima da Silva e Renata Félix Bezerra, todas com 16 anos, passaram poucas e boas na tarefa de preencher questionários com as famílias e encaminhar os menores para a escola.
"Uma vez uma mulher, meio bêbada, que estava tomando conta de duas crianças (a mãe estava fora, trabalhando) soltou os cachorros em cima da gente, tivemos de correr, mas os meninos foram matriculados", lembrou Renata.
Na rede escolar, todos os alunos sabem do novo título do município. "É muito importante estar na escola, é melhor do que ficar na rua, sem aprender nada, tomando droga", afirmou Natália Ferreira Gomes, de 10 anos, que faz a segunda série.
O município metropolitano do Cabo de Santo Agostinho (PE), que tem 153 mil habitantes, comemorou nesta semana o título de primeira cidade do Nordeste a pôr na escola todas as crianças com idade entre 7 e 14 anos. Para conseguir a meta, a prefeitura envolveu a população, o Ministério Público e a Justiça, além de instituir a figura da professora domiciliar, que ensina na casa de crianças com deficiência física. "Não há criança inapropriada para o aprendizado", frisou o prefeito Elias Gomes (PPS), que leva ao pé da letra o Programa Escola para Todos, criado no início do seu primeiro mandato, em 1997, quando elegeu a educação prioridade estratégica para o desenvolvimento do município. "Nosso conceito de inclusão vai além do social." Ao assumir a prefeitura, Gomes encontrou cerca de 10 mil crianças fora da escola. Desde então ele tem investido em torno de 32% da receita municipal na área de educação - a Constituição determina 25% -, construiu 12 novas escolas, reformou e ampliou outras 59, criando 113 novas salas de aula. Em 1996, no fim da administração anterior, 26,2 mil crianças eram atendidas pela rede municipal de ensino. No ano passado, o número era de 39,4 mil. Agora, chegou aos 100%, com 40,1 mil. A prefeitura identificou quem ainda estava fora da escola ao fazer um recenseamento escolar, no ano passado, com visitas casa a casa, para servir de subsídio à elaboração do plano municipal de educação para os próximos dez anos. No fim de novembro, o levantamento indicou que 565 crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos estavam à margem do sistema de ensino. "Fizemos um pacto no município e saímos em busca dessas crianças", contou o prefeito. Logo o número caiu para 450, já que algumas haviam deixado o município, outras morreram e outras saíram da faixa etária passando a ser incluídos na alfabetização de adultos. Primeira série - A maioria dessas 450 crianças vive na periferia da cidade e se encontra abaixo da linha de pobreza, naquele ponto, observa o prefeito, em que os pais "não vêem nenhum significado na escola". É o caso dos irmãos Jorge Luiz, de 11 anos, David José, de 10, Édson Luiz, de 8, e Genildo Pedro da Silva, de 7. Abandonada pelo marido, a mãe Maria do Socorro pede esmolas e faz bicos para criar os filhos, que moram numa favela da Vila da Cohab. O mais velho ajuda a cuidar dos irmãos e nenhum deles sabia uma letra antes de começar a freqüentar a Escola Monteiro Lobato, no início do ano. A vice-diretora da escola, Cilene Maria Gomes Silva, disse que eles têm dificuldade de socialização e aprendizado e já perderam muita aula por falta de sapato, roupa e até sabão para lavar os uniformes. Os irmãos estudam na mesma sala, na primeira série. Jorge disse que tinha vontade de ir à escola, mas não tem sonhos. Não sabe o que quer ser quando crescer e só pensa em achar um jeito de levar algum dinheiro para casa. "Às vezes roço mato e ganho R$ 5." Nos casos de maior resistência dos pais, em que os alunos são matriculados, mas abandonam a escola, os conselhos tutelares e o Ministério Público são acionados. E para garantir a permanência de todas as crianças na sala de aula foi criado o núcleo de combate a evasão e repetência, que faz o acompanhamento da freqüência e comportamento dos alunos. "O desafio maior é mantê-las na escola e dar um ensino de qualidade", observou a secretária municipal de Educação, Ana Selma Santos, ao informar que os 1,3 mil professores municipais são capacitados mensalmente, recebem um jornal local todos os fins de semana, ganham um livro por ano e a carga horária inclui um tempo remunerado para estudo individual e coletivo. Na porta de casa - A decisão de levar a escola para a casa de crianças deficientes deu cor e esperança à vida de Maria da Conceição Rocha da Silva, de 11 anos, e Diego Phellipe Lira, de 14. Eles têm o mesmo problema, nasceram com má formação congênita da coluna, o que atrofia e paralisa os membros inferiores, e hidrocefalia, além de terem contraído meningite. Também têm em comum a pobreza e o fato de morarem em locais de difícil acesso, com ladeiras íngremes. Quando chove muito, eles ficam isolados. Diego foi alfabetizado pelos tios. Na avaliação da professora domiciliar Marilene Josefa dos Ramos, no próximo ano o garoto terá condições de freqüentar a quinta série. Maria da Conceição, de apelido Ceça, nunca estudou nem recebeu estímulos para isso. Sua casa não tem rádio nem televisão e ela não tem amigos. "Quando chega alguma criança aqui fica olhando para minhas pernas", confidenciou ela à mãe, Luciana Rocha da Silva, de 36 anos, que está desempregada. O grande sonho de Ceça era vestir um uniforme e ir para a escola. Mas, para poder freqüentar a escola, ela precisaria de uma cadeira de rodas. O uniforme ela já usa nas duas aulas semanais que recebe em casa desde o início do mês, com muita brincadeira e jogos de memorização. "Estou muito feliz", disse Ceça, uma menina meiga e tímida. A mãe garante que a filha criou novo ânimo. "Antes ela vivia tristinha, agora vive apegada ao material escolar, nem quer mais saber da bonequinha", contou. Agora, o grande sonho de consumo de Ceça é ter um rádio, ou melhor, um micro system, para ouvir historinhas em CD. Gratificada com o trabalho que vem desenvolvendo com "seus meninos", Marilene explicou que o ensino domiciliar tem caráter temporário. O objetivo é preparar o aluno e fazer a ponte entre ele e a professora regular. Com curso de educação especial e estágio em clínicas de atendimento a deficientes, ela atende na própria escola outros três alunos deficientes que têm condições de se locomover até a sala de aula, fazendo a integração deles com a classe e a professora. Bastidores - Auxiliares importantes na localização das crianças fora da escola, agentes jovens egressos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) estão orgulhosos com a conquista do município. Ivani Patrícia da Silva, Ivânia Lima da Silva e Renata Félix Bezerra, todas com 16 anos, passaram poucas e boas na tarefa de preencher questionários com as famílias e encaminhar os menores para a escola. "Uma vez uma mulher, meio bêbada, que estava tomando conta de duas crianças (a mãe estava fora, trabalhando) soltou os cachorros em cima da gente, tivemos de correr, mas os meninos foram matriculados", lembrou Renata. Na rede escolar, todos os alunos sabem do novo título do município. "É muito importante estar na escola, é melhor do que ficar na rua, sem aprender nada, tomando droga", afirmou Natália Ferreira Gomes, de 10 anos, que faz a segunda série.