22/12/2003 Undime
No domingo (14), o mundo comemorou o Dia Internacional da Criança no Rádio e na TV. Para debater a relação da criança e do adolescente com a mídia brasileira, aconteceu esta semana, em São Paulo, o Seminário Internacional TVQ – TV de Qualidade. Durante três dias, especialistas brasileiros e estrangeiros das áreas de Educação e Comunicação analisaram de que maneira as diferentes vertentes da mídia vêm tratando o chamado público infanto-juvenil. E apontaram caminhos para um conteúdo de qualidade daquele que é, para 99% das crianças entre 6 e 11 anos, o principal veículo de entretenimento.
A televisão está presente em 89% dos lares brasileiros, e o público infanto-juvenil passa, em média, três horas e meia diante da telinha todos os dias. As crianças têm acesso cada vez mais cedo ao controle remoto e à escolha da programação a ser assistida. E a grande maioria delas o faz sem a orientação dos pais. “A TV aberta é o educador hegemônico da sociedade brasileira. É a única janela dessa população para o mundo”, acredita Laurindo Leal Filho, professor de Comunicação Social da Universidade de São Paulo.
Para os participantes do seminário, este é um grande problema a ser enfrentado na formação das crianças e adolescentes. Esta é uma idade onde se está aberto para todos os tipos de informação. E ser bombardeado sem o mínimo de orientação pode ser muito prejudicial. “A criança é muito preparada para receber e falar com todos sem preconceitos. Por isso, precisamos ter um cuidado dobrado”, explica Beth Carmona, presidente da TVE e do Midiativa, Centro de Mídia para Crianças e Adolescentes.
A principal razão de tamanho zelo é a baixa oferta de programação infanto-juvenil na TV brasileira. A TV paga, apesar de oferecer diversos canais infantis, ainda é acessível a poucos. E, na ausência de opções do gênero na TV aberta, é inevitável que a audiência infanto-juvenil migre para os programas adultos. Segundo dados do Ibope, telenovelas, noticiários, programas de auditório e até reality shows estão entre os preferidos na faixa etária entre 4 e 17 anos.
“Mais de 50% das crianças até 11 anos assistem à TV entre 18h e 21h e 40% até às 23h”, diz Ana Helena Reis, diretora da Multifocus, empresa de pesquisa de mercado especializada no estudo do comportamento da audiência infanto-juvenil. “Dos dez programas de maior audiência entre este público, oito são considerados para adultos”, completa.
Ao mesmo tempo, várias pesquisas já mostraram que as crianças preferem uma programação feita só para elas às demais atrações. Um estudo feito com 1.500 crianças das classes A, B e C nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba mostrou que, dos 50 preferidos entre crianças de 6 e 11 anos, 40 são infanto-juvenis. Se as crianças de todas as classes tivessem alternativa, estariam assistindo a uma programação recomendada para a sua faixa etária.
Numa pesquisa feita pela Multifocus com pais de crianças entre 4 e 17 anos, a maioria considera que a exposição das crianças aos programas adultos dos canais abertos causa distorções indesejadas. Uma delas é a substituição do sonho infantil pela ilusão adulta de riqueza e sucesso, o que privaria a criança do “mundo do faz-de-conta”. Os pais também apontam como problema, além da imposição da ditadura do consumo, a banalização do sexo e da violência e a negação aos valores éticos.
“A TV de hoje esvazia o espaço da vida subjetiva da criança e sua possibilidade de pensar”, acredita o psicanalista Tales Ab’Saber. “Os pais também estão enclausurados nesse empobrecimento do pensamento. Quanto encontram a criança, a levam para passear no shopping”, conta.
Controle social
A questão da baixa qualidade da TV, tanto para crianças e adolescentes quanto a própria programação adulta, não é exclusividade do Brasil. É uma preocupação da América Latina, da África, da Ásia e também da Europa, como mostrou o seminário. Mas países como a França e a Inglaterra criaram órgãos reguladores e desenvolveram canais institucionais onde a população tem formas de determinar a TV a que quer assistir.
“A TV é uma concessão pública e, como tal, deve servir aos anseios da sociedade, e não à busca desenfreada pela audiência”, afirma Beth Carmona. No Brasil, a televisão é hegemonicamente comercial e vinculada à questão do mercado. O que regula o que cada um poderá assistir em seu aparelho é o código de radiodifusão datado de 1962. E artigos da Constituição de 88 que estabelecem padrões mínimos de qualidade da TV aberta até hoje não foram regulamentados.
“Como a televisão não se apresenta como um serviço prestado à população, ninguém tem sequer consciência de que pode cobrar um melhoria. Há uma verdadeira paralisia da sociedade brasileira em relação à TV”, acredita Laurindo Leal Filho.
Estabelecer mecanismos de controle social da televisão brasileira é um dos maiores anseios de quem trabalha com o telespectador infanto-juvenil. Mas a criação destes mecanismos esbarra sempre no lobby dos concessionários dentro do próprio Congresso Nacional. Em vez de controle público e social dos meios, eles propõem uma auto-regulamentação.
“Quando falamos em controle, os concessionários já ficam arrepiados e dizem que a gente quer estabelecer uma censura. O que querem é transferir a responsabilidade do produtor em relação ao conteúdo que vai para o ar para a família, que não tem forma de fazer este controle”, explica Laurindo. “Os grupos que utilizam o espectro eletromagnético são privilegiados e por isso têm que prestar contas do que fazem. E isso não existe com auto-regulamentação. Vai ser o cabrito tomando conta da horta!”, garante o professor.
A conclusão do seminário é a de que a sociedade precisa começar a se organizar para exigir uma TV de qualidade – por meio de campanhas, projetos de lei, denúncias e outras formas de mobilização. E brigar pelo fortalecimento da TV pública no Brasil, que hoje sofre por falta de verbas e raramente tem forças para se mostrar uma opção de audiência à população.
Cúpula Mundial de Mídia
Para debater questões como estas internacionalmente, acontece de 19 a 23 de abril de 2004, no Rio de Janeiro, 4a Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes (CMMCA). Trata-se do mais importante fórum mundial de discussões e ações em prol da qualidade do que se produz para crianças e adolescentes na televisão, no rádio, nos computadores, na Internet, nos jogos eletrônicos e no cinema. É a primeira vez que a CMMCA se realiza em um continente em desenvolvimento.
Com o tema “Mídia de Todos, Mídia para Todos”, a cúpula analisará e proporá formas de garantir a qualidade da produção local, principalmente nos países em desenvolvimento. O objetivo é transpor as barreiras do espaço público entre as nações por meio do intercâmbio cultural, educacional e comercial, incentivando co-produções e a criação de uma rede de distribuição, integração e acordos comerciais. O evento estimulará ainda o desenvolvimento de ações que previnam o agravamento da exclusão digital e promovam a educação para e com a mídia.
Como parte integrante da CMMCA, haverá o Fórum dos Adolescentes, que deve produzir uma Carta Multimídia, onde estarão registrados os propósitos dos jovens para o presente e o futuro da mídia.
No domingo (14), o mundo comemorou o Dia Internacional da Criança no Rádio e na TV. Para debater a relação da criança e do adolescente com a mídia brasileira, aconteceu esta semana, em São Paulo, o Seminário Internacional TVQ – TV de Qualidade. Durante três dias, especialistas brasileiros e estrangeiros das áreas de Educação e Comunicação analisaram de que maneira as diferentes vertentes da mídia vêm tratando o chamado público infanto-juvenil. E apontaram caminhos para um conteúdo de qualidade daquele que é, para 99% das crianças entre 6 e 11 anos, o principal veículo de entretenimento.A televisão está presente em 89% dos lares brasileiros, e o público infanto-juvenil passa, em média, três horas e meia diante da telinha todos os dias. As crianças têm acesso cada vez mais cedo ao controle remoto e à escolha da programação a ser assistida. E a grande maioria delas o faz sem a orientação dos pais. “A TV aberta é o educador hegemônico da sociedade brasileira. É a única janela dessa população para o mundo”, acredita Laurindo Leal Filho, professor de Comunicação Social da Universidade de São Paulo. Para os participantes do seminário, este é um grande problema a ser enfrentado na formação das crianças e adolescentes. Esta é uma idade onde se está aberto para todos os tipos de informação. E ser bombardeado sem o mínimo de orientação pode ser muito prejudicial. “A criança é muito preparada para receber e falar com todos sem preconceitos. Por isso, precisamos ter um cuidado dobrado”, explica Beth Carmona, presidente da TVE e do Midiativa, Centro de Mídia para Crianças e Adolescentes.A principal razão de tamanho zelo é a baixa oferta de programação infanto-juvenil na TV brasileira. A TV paga, apesar de oferecer diversos canais infantis, ainda é acessível a poucos. E, na ausência de opções do gênero na TV aberta, é inevitável que a audiência infanto-juvenil migre para os programas adultos. Segundo dados do Ibope, telenovelas, noticiários, programas de auditório e até reality shows estão entre os preferidos na faixa etária entre 4 e 17 anos.“Mais de 50% das crianças até 11 anos assistem à TV entre 18h e 21h e 40% até às 23h”, diz Ana Helena Reis, diretora da Multifocus, empresa de pesquisa de mercado especializada no estudo do comportamento da audiência infanto-juvenil. “Dos dez programas de maior audiência entre este público, oito são considerados para adultos”, completa.Ao mesmo tempo, várias pesquisas já mostraram que as crianças preferem uma programação feita só para elas às demais atrações. Um estudo feito com 1.500 crianças das classes A, B e C nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba mostrou que, dos 50 preferidos entre crianças de 6 e 11 anos, 40 são infanto-juvenis. Se as crianças de todas as classes tivessem alternativa, estariam assistindo a uma programação recomendada para a sua faixa etária.Numa pesquisa feita pela Multifocus com pais de crianças entre 4 e 17 anos, a maioria considera que a exposição das crianças aos programas adultos dos canais abertos causa distorções indesejadas. Uma delas é a substituição do sonho infantil pela ilusão adulta de riqueza e sucesso, o que privaria a criança do “mundo do faz-de-conta”. Os pais também apontam como problema, além da imposição da ditadura do consumo, a banalização do sexo e da violência e a negação aos valores éticos. “A TV de hoje esvazia o espaço da vida subjetiva da criança e sua possibilidade de pensar”, acredita o psicanalista Tales Ab’Saber. “Os pais também estão enclausurados nesse empobrecimento do pensamento. Quanto encontram a criança, a levam para passear no shopping”, conta. Controle socialA questão da baixa qualidade da TV, tanto para crianças e adolescentes quanto a própria programação adulta, não é exclusividade do Brasil. É uma preocupação da América Latina, da África, da Ásia e também da Europa, como mostrou o seminário. Mas países como a França e a Inglaterra criaram órgãos reguladores e desenvolveram canais institucionais onde a população tem formas de determinar a TV a que quer assistir. “A TV é uma concessão pública e, como tal, deve servir aos anseios da sociedade, e não à busca desenfreada pela audiência”, afirma Beth Carmona. No Brasil, a televisão é hegemonicamente comercial e vinculada à questão do mercado. O que regula o que cada um poderá assistir em seu aparelho é o código de radiodifusão datado de 1962. E artigos da Constituição de 88 que estabelecem padrões mínimos de qualidade da TV aberta até hoje não foram regulamentados. “Como a televisão não se apresenta como um serviço prestado à população, ninguém tem sequer consciência de que pode cobrar um melhoria. Há uma verdadeira paralisia da sociedade brasileira em relação à TV”, acredita Laurindo Leal Filho.Estabelecer mecanismos de controle social da televisão brasileira é um dos maiores anseios de quem trabalha com o telespectador infanto-juvenil. Mas a criação destes mecanismos esbarra sempre no lobby dos concessionários dentro do próprio Congresso Nacional. Em vez de controle público e social dos meios, eles propõem uma auto-regulamentação.“Quando falamos em controle, os concessionários já ficam arrepiados e dizem que a gente quer estabelecer uma censura. O que querem é transferir a responsabilidade do produtor em relação ao conteúdo que vai para o ar para a família, que não tem forma de fazer este controle”, explica Laurindo. “Os grupos que utilizam o espectro eletromagnético são privilegiados e por isso têm que prestar contas do que fazem. E isso não existe com auto-regulamentação. Vai ser o cabrito tomando conta da horta!”, garante o professor. A conclusão do seminário é a de que a sociedade precisa começar a se organizar para exigir uma TV de qualidade – por meio de campanhas, projetos de lei, denúncias e outras formas de mobilização. E brigar pelo fortalecimento da TV pública no Brasil, que hoje sofre por falta de verbas e raramente tem forças para se mostrar uma opção de audiência à população.Cúpula Mundial de MídiaPara debater questões como estas internacionalmente, acontece de 19 a 23 de abril de 2004, no Rio de Janeiro, 4a Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes (CMMCA). Trata-se do mais importante fórum mundial de discussões e ações em prol da qualidade do que se produz para crianças e adolescentes na televisão, no rádio, nos computadores, na Internet, nos jogos eletrônicos e no cinema. É a primeira vez que a CMMCA se realiza em um continente em desenvolvimento. Com o tema “Mídia de Todos, Mídia para Todos”, a cúpula analisará e proporá formas de garantir a qualidade da produção local, principalmente nos países em desenvolvimento. O objetivo é transpor as barreiras do espaço público entre as nações por meio do intercâmbio cultural, educacional e comercial, incentivando co-produções e a criação de uma rede de distribuição, integração e acordos comerciais. O evento estimulará ainda o desenvolvimento de ações que previnam o agravamento da exclusão digital e promovam a educação para e com a mídia.Como parte integrante da CMMCA, haverá o Fórum dos Adolescentes, que deve produzir uma Carta Multimídia, onde estarão registrados os propósitos dos jovens para o presente e o futuro da mídia.