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23/07/2003 Undime

Tecnologia social estimula cidadania em operários de João Pessoa

Pegar um ônibus, assinar um documento, escrever uma carta, ler um jornal: tarefas que parecem banais para muitos, para outros são verdadeiras conquistas. É o caso dos mais de dois mil operários paraibanos que já foram atendidos pelo Projeto Escola Zé Peão, um programa de alfabetização para adultos que, desde 1990, vem levando informação e cultura para os trabalhadores da construção civil de João Pessoa, na Paraíba.

Comandado pelo professor inglês Timothy Denis Ireland, o trabalho é resultado de uma parceria entre a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil e Mobiliário (Sintricom), e conta com o apoio financeiro de organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras, como a espanhola Manos Unidas e a inglesa Catholic Fund for Overseas Development (Cafod).

Contemporâneo ao Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), do governo Collor, o Projeto Escola Zé Peão surgiu depois que o sindicato diagnosticou uma grande dificuldade na comunicação com seus filiados, especialmente em virtude dos altos índices de analfabetismo entre os operários. "Eles não tinham conhecimento dos seus direitos e, às vezes, sequer tinham interesse por eles, especialmente porque boa parte da comunicação nesse sentido era feita por escrito", conta Ireland.

Diante dessa realidade, a parceria da UFPB com o Sintricom passou a funcionar como uma espécie de convênio, no qual as faculdades entravam com os educadores, e o sindicato, com o levantamento dos locais onde poderiam ser implantadas salas e com discussões sobre a importância do estudo. O sucesso da iniciativa fez com que o programa fosse dividido de dois tipos de cursos: o Alfabetização na Primeira Lajem, que atende os alunos que precisam participar do processo desde o início; e o Tijolo sobre Tijolo, que visa atender aqueles que já passaram pelo primeiro estágio de alfabetização, mas que não querem interromper os estudos.

Começo difícil

No entanto, quem vê o projeto hoje não imagina como foi difícil implementá-lo. No princípio, havia resistência tanto do lado dos empregadores como dos empregados, que, segundo Ireland, acreditavam que operário não precisava saber ler e escrever, só precisava saber levantar parede e construir casa. "No começo, os patrões viam a iniciativa com uma certa indiferença e ironia, achando completamente desnecessária a alfabetização. Graças às provocações e estímulos feitos pelo sindicato junto aos trabalhadores e a uma mudança de mentalidade, essa situação inverteu-se.

Atualmente, numa época de certificados de qualidade total e ISOs, os empregadores finalmente entenderam que somente com funcionários mais
conscientes de si e de seus direitos é possível atingir os níveis de qualidade almejados", diz o professor universitário.

Para garantir que esse processo inicial tivesse menos percalços, foi incluído um texto na Convenção Coletiva da Sintricom de 1990 obrigando as empresas com mais de 20 operários sem escolaridade a instalar salas de aula nos canteiros de obras, desde que a construção durasse pelo menos um ano e os funcionários demonstrassem interesse em ter esse benefício. O que no começo parecia utópico, tornou-se uma iniciativa tão bem-sucedida que o governo estadual está estudando a hipótese de levar o programa para as obras públicas, nas quais os trabalhadores teriam direito a usar uma hora do expediente para ter aulas - que, normalmente, são ministradas fora do horário de trabalho, de segunda a quinta-feira, das 19h às 21h.

Método próprio
Os quase 13 anos de atuação permitiram que a Escola Zé Peão desenvolvesse um método próprio de ensino, que mescla os fundamentos de Paulo Freire com o conhecimento empírico adquirido. Sempre contextualizando os assuntos, o projeto aborda temas sociais e políticos na mesma medida em que são ensinados os conhecimentos básicos de matérias curriculares, como português, matemática e geografia.

Os educadores são alunos dos cursos de licenciatura da UFPB, que recebem uma bolsa pelo trabalho e são acompanhados de perto por uma equipe de coordenação pedagógica. Além disso, os universitários interessados em participar passam por um curso preparatório de um mês, no qual são selecionados os que tiverem melhor desempenho. "Concluímos que esse método era mais eficaz do que fazer uma simples entrevista", explica Ireland.

Com efeito, o método aplicado tem chamado a atenção dos adultos analfabetos: a participação dos operários no sindicato aumentou praticamente dez vezes desde que o programa foi implantado, e as expectativas são de dobrar o número de alunos em 2004.

Direito de sonhar

Por enquanto, a atuação do Projeto Escola Zé Peão restringe-se à Paraíba, onde além de alfabetizar, a equipe de Ireland trabalha ao lado dassecretarias municipais e estaduais de educação na formação de novos professores. Mas isso não significa que novas sementes não estejam sendo disseminadas. Muito pelo contrário. A convite de ONGs, a experiência paraibana já foi apresentada em várias cidades do Brasil e do exterior, incentivando que outras universidades e sindicatos tenham a mesma iniciativa. "É preciso ressaltar, entretanto, que esse é um trabalho muito delicado, que não pode ser começado de maneira leviana. Mais do ensinar a ler e escrever, mudamos e aumentamos a auto-estima dos operários", diz o coordenador, que acredita que o analfabetismo tem um peso muito negativo na identidade dos trabalhadores.

"Com a alfabetização, o aluno passa a ser um cidadão mais ativo e consciente. Até mesmo suas relações familiares melhoram, a partir do momento em que ele pode acompanhar o desenvolvimento escolar dos filhos e se orgulhar disso. É verdade que, efetivamente, não houve praticamente nenhuma melhora salarial, mas não alimentamos muitas ilusões sobre isso, porque sabemos que o maior benefício que oferecemos aos operários é o direito de sonhar, de buscar novos mundo e novas realidades por meio da leitura", diz Ireland.

Mais informações sobre o Projeto Escola Zé Peão podem ser obtidas no Banco de Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil (www.cidadania-e.com.br).


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