02/12/2003 Undime
Os pré-requisitos na área do ensino para a introdução da disciplina História da África e da Cultura Negra Brasileira no currículo escolar - prevista na Lei 10.639/03 - foram objeto de debate durante seminário da Comissão de Educação. O seminário discute a implementação da Lei 10.639/03, publicada no início do ano, que determina a inclusão no ensino do país da história da África, da luta dos negros no Brasil, da Cultura Negra Brasileira e o Negro na Formação da Sociedade Nacional.
Os debates fazem parte da II Jornada África-Brasil. O investimento na formação de professores, doutores e mestres qualificados nestas áreas, a produção de material didático específico, revisto e livre de preconceitos e estereótipos e as adaptações necessárias nos conselhos de educação estaduais, municipais e escolares foram algumas das prioridades apontadas pelos palestrantes para a implementação da medida.
Para a ministra da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, a lei responde a um anseio do movimento negro e da sociedade, e mudará o cenário educacional pela simples inserção da nova disciplina. A ministra lembra que os afrodescendentes - que são 50% da população - foram excluídos da vida política e na história do país. "Retomar a História da África pela educação é importante para um governo que tem um viés de mudança, que quer mudar o olhar sobre o país", afirmou a ministra, que ressaltou a importância da educação como instrumento de mudança de valores e de inclusão e valorização dos negros nas políticas públicas.
Diálogo e investimento
Ela destacou três aspectos sobre os quais é necessário refletir na implementação da nova disciplina: o da transversalidade, relacionando-a e estabelecendo diálogo entre ela e outras disciplinas; o do investimento nos educadores, que devem ser preparados para abordar a questão racial brasileira; e o do investimento na escola em sua relação com as famílias e comunidades, já que a nova disciplina interferirá no cotidiano dos alunos.
A diretora da Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação, Marise Ramos, lembrou que a Constituição e a Lei de Diretrizes Básicas da Educação prevêem o respeito à diversidade social e cultural e o combate à discriminação, garantindo o cumprimento da Lei 10.639/03. Para a diretora, a exclusão e a negação de direitos aos afro-descendentes contradizem os princípios legais e a missão do ministério, que é assegurar a qualidade da educação e promover a universalização da educação básica. "Devemos reconhecer o que foi negado historicamente aos negros: cidadania plena, acesso e preservação de sua cultura, resgate de suas lutas na formação histórica brasileira. Reconhecer isto é um passo fundamental para consolidação destes princípios", disse Marise, acrescentando que a inclusão étnico-racial deve ser inserida em um projeto político-pedagógico.
Treinamento
O professor de Antropologia da Universidade de Brasília, José Jorge Carvalho, defendeu que o Estado intervenha no ensino superior, com o objetivo de viabilizar a formação de professores universitários e de pós-graduados nesta área, para que haja a produção de material didático e de docentes capacitados a ensinar a matéria no ensino fundamental e médio. Carvalho propôs que agências públicas de fomento à pesquisa, como a Capes e o Cnpq, desenvolvam linhas de financiamento específicas para a história da África, inclusive com a adoção de cotas, já que, hoje, os bolsistas deste tema nas agências não passam de 1%.
Ele afirmou que será necessário um esforço entre as agências e o MEC para "mudar o imaginário" brasileiro na educação e transformar a "mentalidade racista brasileira", assim como reverter "o status e os privilégios" dados à cultura européia nas universidades. "A história da África vai também transformar a história do Brasil, que está cheia de mentiras", disse ele, referindo-se a distorções sobre escravidão e racismo.
Segundo o professor, a intelectualidade brasileira "está convencida do retrato falso que Gilberto Freire fez da nossa sociedade". Para Carvalho, Freire fez uma leitura "deformada" da civilização brasileira e dos africanos em obras como Casa Grande e Senzala. Ele sugeriu o aumento do intercâmbio com a intelectualidade africana, que tem sido relegado pelas agências em favor dos europeus e americanos. "Todo o esforço da nossa Academia é eurocêntrico", concluiu.
Vestibular
O fundador da ONG Educafro, responsável pela criação de programas pré-vestibulares gratuitos para negros e carentes, Frei Davi dos Santos, propôs aos parlamentares a criação de um projeto de lei, proibindo a cobrança de taxas de inscrição nos vestibulares de universidades públicas. "Vestibular é uma baixaria criada para excluir os pobres do ensino universitário", afirmou ele, que recebeu o apoio dos deputados Chico Alencar (PT-RJ) e Paulo Rubem Santiago (PT-PE), que prometeram estudar a proposta. O educador pediu a ampliação de vagas nas universidades públicas e a abertura de mais cursos noturnos nas faculdades.
Frei Davi propôs ainda que as universidades públicas cobrem mensalidades de estudantes cujas famílias tenham renda per capita acima de quatro salários mínimos, que as universidades particulares com status de filantrópicas ofereçam bolsas de estudo abatendo 90% da mensalidade para estudantes negros ou oriundos da rede pública de ensino com aquele rendimento familiar e que o MEC torne obrigatórios os cursos de especialização, mestrado e doutorado em história dos afro-brasileiros. Ele lembrou que os cursos pré-vestibulares do Educafro contam com 223 núcleos, espalhados pelos quatro estados do Sudeste, nos quais trabalham 2.640 professores voluntários e 1.100 coordenadores, que já atenderam a 14.200 alunos em aulas aos sábados e à noite, nos dias úteis.
Mudança curricular
Para o deputado Gastão Vieira (PMDB/MA), presidente da Comissão de Educação e Cultura que promoveu o seminário, a implementação da história do negro e da África no ensino brasileiro independe desta lei. "Os parâmetros curriculares transversais já permitem que a escola tenha autonomia para dar essa contribuição cultural de conhecimento da história do negro no Brasil." O seminário continua até quinta-feira no Espaço Cultural Zumbi dos Palmares da Câmara.
Os pré-requisitos na área do ensino para a introdução da disciplina História da África e da Cultura Negra Brasileira no currículo escolar - prevista na Lei 10.639/03 - foram objeto de debate durante seminário da Comissão de Educação. O seminário discute a implementação da Lei 10.639/03, publicada no início do ano, que determina a inclusão no ensino do país da história da África, da luta dos negros no Brasil, da Cultura Negra Brasileira e o Negro na Formação da Sociedade Nacional. Os debates fazem parte da II Jornada África-Brasil. O investimento na formação de professores, doutores e mestres qualificados nestas áreas, a produção de material didático específico, revisto e livre de preconceitos e estereótipos e as adaptações necessárias nos conselhos de educação estaduais, municipais e escolares foram algumas das prioridades apontadas pelos palestrantes para a implementação da medida. Para a ministra da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, a lei responde a um anseio do movimento negro e da sociedade, e mudará o cenário educacional pela simples inserção da nova disciplina. A ministra lembra que os afrodescendentes - que são 50% da população - foram excluídos da vida política e na história do país. "Retomar a História da África pela educação é importante para um governo que tem um viés de mudança, que quer mudar o olhar sobre o país", afirmou a ministra, que ressaltou a importância da educação como instrumento de mudança de valores e de inclusão e valorização dos negros nas políticas públicas.Diálogo e investimentoEla destacou três aspectos sobre os quais é necessário refletir na implementação da nova disciplina: o da transversalidade, relacionando-a e estabelecendo diálogo entre ela e outras disciplinas; o do investimento nos educadores, que devem ser preparados para abordar a questão racial brasileira; e o do investimento na escola em sua relação com as famílias e comunidades, já que a nova disciplina interferirá no cotidiano dos alunos. A diretora da Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação, Marise Ramos, lembrou que a Constituição e a Lei de Diretrizes Básicas da Educação prevêem o respeito à diversidade social e cultural e o combate à discriminação, garantindo o cumprimento da Lei 10.639/03. Para a diretora, a exclusão e a negação de direitos aos afro-descendentes contradizem os princípios legais e a missão do ministério, que é assegurar a qualidade da educação e promover a universalização da educação básica. "Devemos reconhecer o que foi negado historicamente aos negros: cidadania plena, acesso e preservação de sua cultura, resgate de suas lutas na formação histórica brasileira. Reconhecer isto é um passo fundamental para consolidação destes princípios", disse Marise, acrescentando que a inclusão étnico-racial deve ser inserida em um projeto político-pedagógico. TreinamentoO professor de Antropologia da Universidade de Brasília, José Jorge Carvalho, defendeu que o Estado intervenha no ensino superior, com o objetivo de viabilizar a formação de professores universitários e de pós-graduados nesta área, para que haja a produção de material didático e de docentes capacitados a ensinar a matéria no ensino fundamental e médio. Carvalho propôs que agências públicas de fomento à pesquisa, como a Capes e o Cnpq, desenvolvam linhas de financiamento específicas para a história da África, inclusive com a adoção de cotas, já que, hoje, os bolsistas deste tema nas agências não passam de 1%. Ele afirmou que será necessário um esforço entre as agências e o MEC para "mudar o imaginário" brasileiro na educação e transformar a "mentalidade racista brasileira", assim como reverter "o status e os privilégios" dados à cultura européia nas universidades. "A história da África vai também transformar a história do Brasil, que está cheia de mentiras", disse ele, referindo-se a distorções sobre escravidão e racismo. Segundo o professor, a intelectualidade brasileira "está convencida do retrato falso que Gilberto Freire fez da nossa sociedade". Para Carvalho, Freire fez uma leitura "deformada" da civilização brasileira e dos africanos em obras como Casa Grande e Senzala. Ele sugeriu o aumento do intercâmbio com a intelectualidade africana, que tem sido relegado pelas agências em favor dos europeus e americanos. "Todo o esforço da nossa Academia é eurocêntrico", concluiu. VestibularO fundador da ONG Educafro, responsável pela criação de programas pré-vestibulares gratuitos para negros e carentes, Frei Davi dos Santos, propôs aos parlamentares a criação de um projeto de lei, proibindo a cobrança de taxas de inscrição nos vestibulares de universidades públicas. "Vestibular é uma baixaria criada para excluir os pobres do ensino universitário", afirmou ele, que recebeu o apoio dos deputados Chico Alencar (PT-RJ) e Paulo Rubem Santiago (PT-PE), que prometeram estudar a proposta. O educador pediu a ampliação de vagas nas universidades públicas e a abertura de mais cursos noturnos nas faculdades. Frei Davi propôs ainda que as universidades públicas cobrem mensalidades de estudantes cujas famílias tenham renda per capita acima de quatro salários mínimos, que as universidades particulares com status de filantrópicas ofereçam bolsas de estudo abatendo 90% da mensalidade para estudantes negros ou oriundos da rede pública de ensino com aquele rendimento familiar e que o MEC torne obrigatórios os cursos de especialização, mestrado e doutorado em história dos afro-brasileiros. Ele lembrou que os cursos pré-vestibulares do Educafro contam com 223 núcleos, espalhados pelos quatro estados do Sudeste, nos quais trabalham 2.640 professores voluntários e 1.100 coordenadores, que já atenderam a 14.200 alunos em aulas aos sábados e à noite, nos dias úteis. Mudança curricularPara o deputado Gastão Vieira (PMDB/MA), presidente da Comissão de Educação e Cultura que promoveu o seminário, a implementação da história do negro e da África no ensino brasileiro independe desta lei. "Os parâmetros curriculares transversais já permitem que a escola tenha autonomia para dar essa contribuição cultural de conhecimento da história do negro no Brasil." O seminário continua até quinta-feira no Espaço Cultural Zumbi dos Palmares da Câmara.