19/12/2005 Undime
Fernando Haddad, ministro da Educação: "De 21 meses para cá, o Inep tem feito um trabalho excepcional"
O ministro Fernando Haddad protesta contra a idéia de aumento da Desvinculação das Receitas da União (DRU) para 35%, segundo estudos em curso no governo. "Teria o efeito de um tsunami para a educação", afirma. Em sua opinião, uma política inteligente de superávit "não põe a educação no bolo do que tem que ser cortado". Diante da constatação de que sua posição, na disputa de poder entre os ministros da Casa Civil e da Fazenda, está afinada com a da ministra Dilma Rousseff, o ministro da Educação, em entrevista ao Valor, afirma: "A Dilma está defendendo a atual política econômica". Ou seja, Antonio Palocci é quem quer alterá-la, ao defender uma meta fiscal mais rigorosa.
Aos 42 anos, professor de Teoria Política da Universidade de São Paulo, que chegou ao governo como assessor do ex-ministro do Planejamento Guido Mantega, ele passou em apenas um ano a secretário-executivo do Ministério da Educação e hoje é o ministro que comanda a execução da política educacional do governo do PT. Esta, define, está formulada em quatro eixos que buscam superar falsas contradições. A maior delas, a seu ver, é a que contrapõe o ensino básico ao ensino superior. O ministro da Educação acha que é possível fazer tudo. A seguir, sua entrevista ao Valor:
Valor: Quais são os fundamentos da política do governo PT para a educação?
Fernando Haddad: Podemos resumir nossa atuação na superação de falsas contradições que se criaram em torno da questão da educação. Nós identificamos quatro falsas contradições. A primeira, que reputo a mais grave, foi a oposição que se criou entre a educação básica e a educação superior. Como se o Estado tivesse que optar por uma delas em virtude de restrições orçamentárias.
Valor: Em termos de programas, como se faz esta superação?
Haddad: A proposta de emenda constitucional que cria o Fundo da Educação Básica (Fundeb) prevê mais recursos para a educação básica, por exemplo, mas não em detrimento da educação superior, porque o anteprojeto da reforma da educação superior prevê também mais recursos para o ensino superior. Não há contradição entre os dois. A segunda contradição a ser superada é que dentro da educação básica há três etapas: infantil, ensino fundamental e médio. Defende-se "todo o apoio ao fundamental". Ninguém é contra, tanto é que a proposta de emenda constitucional que cria o Fundeb prevê que o investimento no ensino fundamental não pode ser inferior ao do último ano de vigência do Fundef (o fundo já existente de financiamento do ensino fundamental). Mas a pré-escola e o ensino médio não podem ficar de fora do fundo. Uma prepara a base e a outra estimula uma conclusão mais virtuosa.
Valor: E a terceira contradição?
Haddad: Foi proibida por um decreto a integração do ensino médio com o ensino profissional, sob o pretexto de que essa integração estava elitizando o ensino médio profissionalizante. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) demonstrou que essa proibição acabou elitizando ainda mais porque o aluno só passa a ter contato com a educação profissional depois do médio e não de forma integrada.
Valor: Por que fazer isto ao mesmo tempo?
Haddad: Porque o aluno de baixa renda muitas vezes não tem uma vocação para a educação superior. Então, ele quer fazer o ensino médio já se qualificando para uma profissão. O ensino médio integrado é fundamental para atender a essa demanda de alunos que, muitas vezes, não têm essa vocação.
Valor: O ensino médio integrado é o antigo profissionalizante?
Haddad: É o ensino médio profissionalizante, mas não como antigamente, quando a integração era obrigatória e, muitas vezes, se fingia dar uma educação profissional. Hoje, a lei prevê que o ensino médio pode ser e pode não ser integrado, de maneira que, quando for integrado, ele tem que respeitar determinadas diretrizes curriculares para que o jovem esteja se qualificando para o exercício de uma profissão de nível técnico.
Valor: Qual o quarto eixo da política educacional do governo Lula?
Haddad: É a superação da idéia de alfabetizar em descontinuidade com a educação de jovens e adultos. O programa de alfabetização anterior a este governo estava fora da órbita do MEC, a cargo de uma ONG, o Comunidade Solidária. Isso acabou fazendo com que muitos recursos públicos fossem desperdiçados. Quando você alfabetiza e entrega esse jovem ou adulto à própria sorte, acaba perdendo o próprio esforço que fez de alfabetizar. Isso ocorreu com o Mobral e vinha acontecendo com o programa do governo anterior. Se você, ao contrário, traz para a órbita do MEC, cria uma secretaria de educação continuada, integra a alfabetização à educação de jovens e adultos, você combate mais do que o analfabetismo. Combate o analfabetismo funcional.
Valor: Duas destas quatro direções de política que o senhor apontou não acabam representando uma redução da importância, dos recursos e da atenção ao ensino fundamental?
Haddad: Isso seria verdade se o volume de recursos fosse o mesmo. O Fundeb prevê decuplicar o investimento da União no novo fundo, em relação ao fundo anterior.
Valor: Isto significa quanto?
Haddad: O investimento médio do Fundef da União, nos quase dez anos de vigência, foi de R$ 500 milhões por ano. O investimento previsto para o Fundeb, e isso está na proposta de emenda constitucional, é de R$ 4,3 bilhões. Então, esse raciocínio só seria verdadeiro se não estivéssemos praticamente decuplicando os recursos investidos. O que estamos é reforçando o ensino fundamental com mais recursos, e com atenção à pré-escola. E aqui não vai nenhum demérito ao Fundef, a quem o Fundeb faz homenagens, do ponto de vista da preservação do custo-aluno e da engenharia financeira, que é totalmente herdada.
Valor: Além de evidenciar desconsideração ao ensino fundamental, o senhor não acha que desta política está ausente algo que a Unesco e os especialistas sempre reputaram como o instrumento essencial para revolucionar a educação, um plano de formação e remuneração elevada do professor?
Haddad: De todos os recursos a mais do Fundeb, R$ 4,3 bilhões, 60% têm que ir para a valorização do magistério. Em segundo lugar, temos quatro programas de formação de professores. Dois visam dar ensino médio para professores do ensino infantil ou das primeiras quatro séries do fundamental. Há um programa novo, para dar educação superior a quem está ministrando aulas da 5ª à 8ª séries do fundamental e aos professores do médio. Outro, para fortalecer a formação continuada para professores de matemática e português.
Valor: O governo se preocupa muito em regular o ensino superior. Acha que houve explosão desnecessária do mercado de ensino superior privado?
Haddad: Em certa medida eu penso que o crescimento do ensino privado era inevitável pelo modelo de financiamento da educação brasileira. A DRU (desvinculação da receita orçamentária) incidiu diretamente sobre a educação superior pública. Com essa restrição orçamentária, houve a expansão. Hoje nós estamos tentando retomar os investimentos, principalmente a partir da interiorização. Sair do modelo de grandes universidades públicas nas capitais e pensar um modelo de pequenas instituições de ensino em cidades-pólos, médias, levar o desenvolvimento para o interior, fixar o jovem talentoso em sua região. Esse modelo está sendo efetivado.
Valor: As greves de professores universitários estão para o MEC assim como as invasões do MST estão para o da Reforma Agrária: sujeitas a injunções políticopartidárias. Há estudantes que passaram no vestibular de julho e ainda não tiveram aula neste semestre. Em algumas instituições, ouviram de seus professores, como justificativa, que houve ordem da CUT para que a greve fosse feita este ano, preservando a campanha da reeleição no ano que vem. O senhor está informado disso?
Haddad: Isto para mim é novidade. Nunca ouvi falar (um assessor lembra que as Universidades Federais de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul mantêm vínculos com a CUT e ambas não fizeram greve). Não faz sentido. O que nos deixa confiantes de que a categoria vai entender a mensagem do MEC é que é a primeira vez, desde o início da estabilidade monetária, que todos os docentes vão ter reajuste acima da inflação. O impacto será de R$ 500 milhões.
Valor: Qual é o reajuste mínimo?
Haddad: O mínimo que todos terão é a inflação de quatro anos. Cerca de 30%.
Valor: Qual é o máximo?
Haddad: No caso dos professores titulares, haverá ganho real de até 9%.
Valor: Segundo o IBGE, nos últimos cinco anos houve perda real de salário médio do trabalhador do setor privado de 11%. O setor privado não está generoso nos aumentos reais, e o Estado, que está quebrado, está dando aumento real...
Haddad: Pois é, pensamos que nossa proposta fosse transitar bem pela base, mas nossa relação com a base é sempre mediada pela direção do movimento. Joga-se muito com informações para a categoria, o professor acredita no que sua representação lhe passa.
Valor: A percepção da sociedade é que o governo é muito condescendente com o movimento grevista. Como a greve sempre foi um instrumento do PT e da CUT quando na oposição, a condescendência agora seria um sinal de inadaptação à transposição do partido para o outro lado, o do governo. O senhor concorda?
Haddad: Ninguém ainda equacionou esta questão. Sou professor da USP. A minha universidade, estadual, entrou em greve. E o governo do Estado enfrentou rigorosamente as mesmas dificuldades que o governo federal enfrenta. Dificuldade de interação com a categoria, uma mediação sempre problemática via sindicatos. Os problemas estão colocados para todos os governos, independentemente de partido. E é uma equação difícil. Há um direito consagrado na Constituição, que é civilizado respeitar, mas é civilizado também ter regras.
Valor: Ao mesmo tempo que o governo está acenando com a necessidade absoluta de reduzir carga tributária, a educação está contando que terá um aumento extraordinário de verbas. Como é essa equação financeira?
Haddad: Há muito espaço para tornar eficiente o gasto público que não passa pelo corte de verbas da educação. A nossa defesa é que a educação deveria compor a agenda de desenvolvimento econômico e não exclusivamente como uma agenda social. Passar a vê-lo como investimento e não como gasto. Aí, você terá um projeto nacional de desenvolvimento em curso. O que a ministra Dilma está defendendo é a manutenção da atual política econômica"
Valor: O governo vê como investimento?
Haddad: O Estado não enxerga assim. O presidente da República vê assim. O presidente foi ousado em mandar a PEC que cria o Fundeb com os valores que mandou.
Valor: A área da educação reagiu mal quando passou a perder recursos para a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Hoje, fala-se no governo em subir a DRU para até 35%. O que o senhor acha disso?
Haddad: Isso tem o efeito de um "tsunami" para a educação.
Valor: Por que?
Haddad: A DRU é calculada antes da dedução do FPM e do FPE. Por causa disso, a DRU efetiva, que deveria ser de 20% da receita total, na prática é de 33%. Uma DRU de 35%, como se especulou e eu não via a menor razão de prosperar, significaria uma DRU efetiva de 59% no caso da educação, justamente por causa do efeito perverso. Hoje, a DRU retira do orçamento da educação cerca de R$ 4,5 bilhões.
Valor: Uma parte volta, não?
Haddad: Não. Com o Fundeb, vão voltar R$ 3 bilhões desses R$ 4,5 bilhões. O Fundeb diz que apenas 30% dos R$ 4,3 bilhões oneram a vinculação do MEC. Ou seja, 70% têm que ser de fontes fora da vinculação. Estamos, de certa forma, recuperando R$ 3 bilhões dos R$ 4,5 bilhões que a DRU nos toma. A DRU de 35% implicaria redução de R$ 9 bilhões de recursos do MEC.
Valor: Na briga da política fiscal, já deu para ver que o senhor está do lado da ministra Dilma Rousseff.
Haddad: É curioso notar, se a minha percepção estiver correta, que o que a ministra Dilma está defendendo é a manutenção da atual política econômica.
Valor: Então, é o ministro Antonio Palocci que está propondo a mudança?
Haddad: A Dilma está defendendo a atual, que introduziu na agenda um elemento que não estava na anterior. Quando se estabeleceu o regime de metas para inflação não havia preocupação com a estabilização ou redução da dívida como proporção do PIB. Havia o desejo de combater a inflação. O governo anterior usou mecanismos que criaram um grau de liberdade que este governo não tem, como o aumento da carga tributária, a alienação de patrimônio público. Estou fazendo uma defesa aqui de uma preocupação adicional que não estava na agenda anterior, que é essa questão da dívida/ PIB. Acho que esse discurso que interessa à sociedade, de garantir que as finanças públicas funcionem bem, sem riscos para o Estado, não deve ser visto de maneira indiferenciada.
Valor: O que quer dizer isso?
Haddad: Que se você tiver que ter uma política de superávit, faça uma política inteligente. A pior coisa é colocar a educação no bolo do que precisa ser cortado. Os dados revelam que, para chegarmos a sugerir para a comunidade internacional que a gente investe alguma coisa em torno de 4,2% do PIB em educação, temos que somar o investimento em ciência e tecnologia, em hospitais universitários e em inativos. Se não somar, dá menos de 4% do PIB.
Valor: A avaliação de todos os graus do ensino é o assunto do momento, com críticas à mudança de critérios e à instituição que executa o trabalho, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inep. O Instituto, como se tem denunciado, foi realmente aparelhado pelo PT e não conta com especialistas para executar sua tarefa principal?
Haddad: O Inep está passando por uma reestruturação de pessoal. Ele estava fortemente apoiado nos projetos com organismos internacionais, que em função de um termo de ajuste de conduta com o TCU, foram declarados impróprios. É uma terceirização via organismo internacional. O Inep era um gigante em pés de barro. Isso exigiu da parte do Estado que fossem feitos concurso públicos para preenchimento desses cargos. O problema maior é que o Inep não tem uma carreira própria, como têm o IBGE, o Ipea. E pelas suas especificidades, ele teria que ter. Sobre aparelhamento, não há o menor indício disso.
Valor: Esta crítica existe desde o início do governo Lula, a de que o aparelhamento teria sido feito em todo o Ministério e teria sido a causa da queda do ministro Cristovam Buarque, que não pertencia à corrente petista que montou aqui um governo paralelo, com canal direto com a Casa Civil do ex-ministro José Dirceu. Este diagnóstico é correto?
Haddad: Eu conheço pouco a gestão do Inep sob o Cristovam. O que posso responder de 21 meses para cá é que o Inep tem feito um trabalho excepcional. Institucionalizou o Sistema de Avaliação do Ensino Superior. Estamos avaliando este ano dois terços dos cursos de graduação e, no ano que vem teremos avaliado 100% dos cursos no país. O Inep fez o maior Enem (avaliação do ensino médio) da história, com 3 milhões de inscritos. E está realizando o Saeb (avaliação do ensino básico) ampliado, que é a Prova Brasil, um instrumento de gestão eficiente porque dá a cada diretor de escola relatório do que está acontecendo no seu estabelecimento de ensino. Um prefeito que queira entrar em contato com o MEC e perguntar sobre como vai seu sistema municipal, hoje, o ministério não teria condições de informar. A partir de fevereiro do ano que vem, poderemos dizer se o prefeito fez um grande trabalho. Aí você começa a ter gestão.
Fernando Haddad, ministro da Educação: "De 21 meses para cá, o Inep tem feito um trabalho excepcional"O ministro Fernando Haddad protesta contra a idéia de aumento da Desvinculação das Receitas da União (DRU) para 35%, segundo estudos em curso no governo. "Teria o efeito de um tsunami para a educação", afirma. Em sua opinião, uma política inteligente de superávit "não põe a educação no bolo do que tem que ser cortado". Diante da constatação de que sua posição, na disputa de poder entre os ministros da Casa Civil e da Fazenda, está afinada com a da ministra Dilma Rousseff, o ministro da Educação, em entrevista ao Valor, afirma: "A Dilma está defendendo a atual política econômica". Ou seja, Antonio Palocci é quem quer alterá-la, ao defender uma meta fiscal mais rigorosa.Aos 42 anos, professor de Teoria Política da Universidade de São Paulo, que chegou ao governo como assessor do ex-ministro do Planejamento Guido Mantega, ele passou em apenas um ano a secretário-executivo do Ministério da Educação e hoje é o ministro que comanda a execução da política educacional do governo do PT. Esta, define, está formulada em quatro eixos que buscam superar falsas contradições. A maior delas, a seu ver, é a que contrapõe o ensino básico ao ensino superior. O ministro da Educação acha que é possível fazer tudo. A seguir, sua entrevista ao Valor: Valor: Quais são os fundamentos da política do governo PT para a educação?Fernando Haddad: Podemos resumir nossa atuação na superação de falsas contradições que se criaram em torno da questão da educação. Nós identificamos quatro falsas contradições. A primeira, que reputo a mais grave, foi a oposição que se criou entre a educação básica e a educação superior. Como se o Estado tivesse que optar por uma delas em virtude de restrições orçamentárias. Valor: Em termos de programas, como se faz esta superação?Haddad: A proposta de emenda constitucional que cria o Fundo da Educação Básica (Fundeb) prevê mais recursos para a educação básica, por exemplo, mas não em detrimento da educação superior, porque o anteprojeto da reforma da educação superior prevê também mais recursos para o ensino superior. Não há contradição entre os dois. A segunda contradição a ser superada é que dentro da educação básica há três etapas: infantil, ensino fundamental e médio. Defende-se "todo o apoio ao fundamental". Ninguém é contra, tanto é que a proposta de emenda constitucional que cria o Fundeb prevê que o investimento no ensino fundamental não pode ser inferior ao do último ano de vigência do Fundef (o fundo já existente de financiamento do ensino fundamental). Mas a pré-escola e o ensino médio não podem ficar de fora do fundo. Uma prepara a base e a outra estimula uma conclusão mais virtuosa. Valor: E a terceira contradição?Haddad: Foi proibida por um decreto a integração do ensino médio com o ensino profissional, sob o pretexto de que essa integração estava elitizando o ensino médio profissionalizante. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) demonstrou que essa proibição acabou elitizando ainda mais porque o aluno só passa a ter contato com a educação profissional depois do médio e não de forma integrada.Valor: Por que fazer isto ao mesmo tempo?Haddad: Porque o aluno de baixa renda muitas vezes não tem uma vocação para a educação superior. Então, ele quer fazer o ensino médio já se qualificando para uma profissão. O ensino médio integrado é fundamental para atender a essa demanda de alunos que, muitas vezes, não têm essa vocação. Valor: O ensino médio integrado é o antigo profissionalizante? Haddad: É o ensino médio profissionalizante, mas não como antigamente, quando a integração era obrigatória e, muitas vezes, se fingia dar uma educação profissional. Hoje, a lei prevê que o ensino médio pode ser e pode não ser integrado, de maneira que, quando for integrado, ele tem que respeitar determinadas diretrizes curriculares para que o jovem esteja se qualificando para o exercício de uma profissão de nível técnico.Valor: Qual o quarto eixo da política educacional do governo Lula?Haddad: É a superação da idéia de alfabetizar em descontinuidade com a educação de jovens e adultos. O programa de alfabetização anterior a este governo estava fora da órbita do MEC, a cargo de uma ONG, o Comunidade Solidária. Isso acabou fazendo com que muitos recursos públicos fossem desperdiçados. Quando você alfabetiza e entrega esse jovem ou adulto à própria sorte, acaba perdendo o próprio esforço que fez de alfabetizar. Isso ocorreu com o Mobral e vinha acontecendo com o programa do governo anterior. Se você, ao contrário, traz para a órbita do MEC, cria uma secretaria de educação continuada, integra a alfabetização à educação de jovens e adultos, você combate mais do que o analfabetismo. Combate o analfabetismo funcional. Valor: Duas destas quatro direções de política que o senhor apontou não acabam representando uma redução da importância, dos recursos e da atenção ao ensino fundamental?Haddad: Isso seria verdade se o volume de recursos fosse o mesmo. O Fundeb prevê decuplicar o investimento da União no novo fundo, em relação ao fundo anterior. Valor: Isto significa quanto?Haddad: O investimento médio do Fundef da União, nos quase dez anos de vigência, foi de R$ 500 milhões por ano. O investimento previsto para o Fundeb, e isso está na proposta de emenda constitucional, é de R$ 4,3 bilhões. Então, esse raciocínio só seria verdadeiro se não estivéssemos praticamente decuplicando os recursos investidos. O que estamos é reforçando o ensino fundamental com mais recursos, e com atenção à pré-escola. E aqui não vai nenhum demérito ao Fundef, a quem o Fundeb faz homenagens, do ponto de vista da preservação do custo-aluno e da engenharia financeira, que é totalmente herdada.Valor: Além de evidenciar desconsideração ao ensino fundamental, o senhor não acha que desta política está ausente algo que a Unesco e os especialistas sempre reputaram como o instrumento essencial para revolucionar a educação, um plano de formação e remuneração elevada do professor?Haddad: De todos os recursos a mais do Fundeb, R$ 4,3 bilhões, 60% têm que ir para a valorização do magistério. Em segundo lugar, temos quatro programas de formação de professores. Dois visam dar ensino médio para professores do ensino infantil ou das primeiras quatro séries do fundamental. Há um programa novo, para dar educação superior a quem está ministrando aulas da 5ª à 8ª séries do fundamental e aos professores do médio. Outro, para fortalecer a formação continuada para professores de matemática e português. Valor: O governo se preocupa muito em regular o ensino superior. Acha que houve explosão desnecessária do mercado de ensino superior privado?Haddad: Em certa medida eu penso que o crescimento do ensino privado era inevitável pelo modelo de financiamento da educação brasileira. A DRU (desvinculação da receita orçamentária) incidiu diretamente sobre a educação superior pública. Com essa restrição orçamentária, houve a expansão. Hoje nós estamos tentando retomar os investimentos, principalmente a partir da interiorização. Sair do modelo de grandes universidades públicas nas capitais e pensar um modelo de pequenas instituições de ensino em cidades-pólos, médias, levar o desenvolvimento para o interior, fixar o jovem talentoso em sua região. Esse modelo está sendo efetivado.Valor: As greves de professores universitários estão para o MEC assim como as invasões do MST estão para o da Reforma Agrária: sujeitas a injunções políticopartidárias. Há estudantes que passaram no vestibular de julho e ainda não tiveram aula neste semestre. Em algumas instituições, ouviram de seus professores, como justificativa, que houve ordem da CUT para que a greve fosse feita este ano, preservando a campanha da reeleição no ano que vem. O senhor está informado disso?Haddad: Isto para mim é novidade. Nunca ouvi falar (um assessor lembra que as Universidades Federais de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul mantêm vínculos com a CUT e ambas não fizeram greve). Não faz sentido. O que nos deixa confiantes de que a categoria vai entender a mensagem do MEC é que é a primeira vez, desde o início da estabilidade monetária, que todos os docentes vão ter reajuste acima da inflação. O impacto será de R$ 500 milhões.Valor: Qual é o reajuste mínimo?Haddad: O mínimo que todos terão é a inflação de quatro anos. Cerca de 30%.Valor: Qual é o máximo?Haddad: No caso dos professores titulares, haverá ganho real de até 9%.Valor: Segundo o IBGE, nos últimos cinco anos houve perda real de salário médio do trabalhador do setor privado de 11%. O setor privado não está generoso nos aumentos reais, e o Estado, que está quebrado, está dando aumento real...Haddad: Pois é, pensamos que nossa proposta fosse transitar bem pela base, mas nossa relação com a base é sempre mediada pela direção do movimento. Joga-se muito com informações para a categoria, o professor acredita no que sua representação lhe passa. Valor: A percepção da sociedade é que o governo é muito condescendente com o movimento grevista. Como a greve sempre foi um instrumento do PT e da CUT quando na oposição, a condescendência agora seria um sinal de inadaptação à transposição do partido para o outro lado, o do governo. O senhor concorda?Haddad: Ninguém ainda equacionou esta questão. Sou professor da USP. A minha universidade, estadual, entrou em greve. E o governo do Estado enfrentou rigorosamente as mesmas dificuldades que o governo federal enfrenta. Dificuldade de interação com a categoria, uma mediação sempre problemática via sindicatos. Os problemas estão colocados para todos os governos, independentemente de partido. E é uma equação difícil. Há um direito consagrado na Constituição, que é civilizado respeitar, mas é civilizado também ter regras. Valor: Ao mesmo tempo que o governo está acenando com a necessidade absoluta de reduzir carga tributária, a educação está contando que terá um aumento extraordinário de verbas. Como é essa equação financeira?Haddad: Há muito espaço para tornar eficiente o gasto público que não passa pelo corte de verbas da educação. A nossa defesa é que a educação deveria compor a agenda de desenvolvimento econômico e não exclusivamente como uma agenda social. Passar a vê-lo como investimento e não como gasto. Aí, você terá um projeto nacional de desenvolvimento em curso. O que a ministra Dilma está defendendo é a manutenção da atual política econômica"Valor: O governo vê como investimento?Haddad: O Estado não enxerga assim. O presidente da República vê assim. O presidente foi ousado em mandar a PEC que cria o Fundeb com os valores que mandou. Valor: A área da educação reagiu mal quando passou a perder recursos para a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Hoje, fala-se no governo em subir a DRU para até 35%. O que o senhor acha disso?Haddad: Isso tem o efeito de um "tsunami" para a educação. Valor: Por que? Haddad: A DRU é calculada antes da dedução do FPM e do FPE. Por causa disso, a DRU efetiva, que deveria ser de 20% da receita total, na prática é de 33%. Uma DRU de 35%, como se especulou e eu não via a menor razão de prosperar, significaria uma DRU efetiva de 59% no caso da educação, justamente por causa do efeito perverso. Hoje, a DRU retira do orçamento da educação cerca de R$ 4,5 bilhões.Valor: Uma parte volta, não?Haddad: Não. Com o Fundeb, vão voltar R$ 3 bilhões desses R$ 4,5 bilhões. O Fundeb diz que apenas 30% dos R$ 4,3 bilhões oneram a vinculação do MEC. Ou seja, 70% têm que ser de fontes fora da vinculação. Estamos, de certa forma, recuperando R$ 3 bilhões dos R$ 4,5 bilhões que a DRU nos toma. A DRU de 35% implicaria redução de R$ 9 bilhões de recursos do MEC.Valor: Na briga da política fiscal, já deu para ver que o senhor está do lado da ministra Dilma Rousseff.Haddad: É curioso notar, se a minha percepção estiver correta, que o que a ministra Dilma está defendendo é a manutenção da atual política econômica.Valor: Então, é o ministro Antonio Palocci que está propondo a mudança?Haddad: A Dilma está defendendo a atual, que introduziu na agenda um elemento que não estava na anterior. Quando se estabeleceu o regime de metas para inflação não havia preocupação com a estabilização ou redução da dívida como proporção do PIB. Havia o desejo de combater a inflação. O governo anterior usou mecanismos que criaram um grau de liberdade que este governo não tem, como o aumento da carga tributária, a alienação de patrimônio público. Estou fazendo uma defesa aqui de uma preocupação adicional que não estava na agenda anterior, que é essa questão da dívida/ PIB. Acho que esse discurso que interessa à sociedade, de garantir que as finanças públicas funcionem bem, sem riscos para o Estado, não deve ser visto de maneira indiferenciada.Valor: O que quer dizer isso?Haddad: Que se você tiver que ter uma política de superávit, faça uma política inteligente. A pior coisa é colocar a educação no bolo do que precisa ser cortado. Os dados revelam que, para chegarmos a sugerir para a comunidade internacional que a gente investe alguma coisa em torno de 4,2% do PIB em educação, temos que somar o investimento em ciência e tecnologia, em hospitais universitários e em inativos. Se não somar, dá menos de 4% do PIB.Valor: A avaliação de todos os graus do ensino é o assunto do momento, com críticas à mudança de critérios e à instituição que executa o trabalho, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inep. O Instituto, como se tem denunciado, foi realmente aparelhado pelo PT e não conta com especialistas para executar sua tarefa principal?Haddad: O Inep está passando por uma reestruturação de pessoal. Ele estava fortemente apoiado nos projetos com organismos internacionais, que em função de um termo de ajuste de conduta com o TCU, foram declarados impróprios. É uma terceirização via organismo internacional. O Inep era um gigante em pés de barro. Isso exigiu da parte do Estado que fossem feitos concurso públicos para preenchimento desses cargos. O problema maior é que o Inep não tem uma carreira própria, como têm o IBGE, o Ipea. E pelas suas especificidades, ele teria que ter. Sobre aparelhamento, não há o menor indício disso.Valor: Esta crítica existe desde o início do governo Lula, a de que o aparelhamento teria sido feito em todo o Ministério e teria sido a causa da queda do ministro Cristovam Buarque, que não pertencia à corrente petista que montou aqui um governo paralelo, com canal direto com a Casa Civil do ex-ministro José Dirceu. Este diagnóstico é correto?Haddad: Eu conheço pouco a gestão do Inep sob o Cristovam. O que posso responder de 21 meses para cá é que o Inep tem feito um trabalho excepcional. Institucionalizou o Sistema de Avaliação do Ensino Superior. Estamos avaliando este ano dois terços dos cursos de graduação e, no ano que vem teremos avaliado 100% dos cursos no país. O Inep fez o maior Enem (avaliação do ensino médio) da história, com 3 milhões de inscritos. E está realizando o Saeb (avaliação do ensino básico) ampliado, que é a Prova Brasil, um instrumento de gestão eficiente porque dá a cada diretor de escola relatório do que está acontecendo no seu estabelecimento de ensino. Um prefeito que queira entrar em contato com o MEC e perguntar sobre como vai seu sistema municipal, hoje, o ministério não teria condições de informar. A partir de fevereiro do ano que vem, poderemos dizer se o prefeito fez um grande trabalho. Aí você começa a ter gestão.