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30/03/2003 Undime

OMC discute novas regras para educação multinacional

Quatro propostas sobre regras de educação prometem esquentar ainda mais as discussões na OMC (Organização Mundial do Comércio). Os Estados Unidos, o Japão, a Austrália e a Nova Zelândia querem quebrar as normas existentes hoje. A idéia é que os serviços de ensino sejam comercializados livremente, facilitando operações como a atuação de grupos educacionais estrangeiros e a aprovação de cursos a distância, o que pode alterar leis nacionais.

A mudança atingiria diversos níveis, desde treinamento profissional até cursos de graduação e pós. Os quatro países têm interesse no assunto porque exportam tecnologia de educação.

As propostas já foram entregues aos 140 países-membros da OMC, mas ainda não há prazo para a decisão. A organização, que serve de foro para negociações de regras do comércio internacional, possui um sistema para a solução de controvérsias entre os países.

A OMC, por exemplo, pode concluir que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), que rege as instituições de ensino brasileiras, dificulta a instalação de empresas estrangeiras no país. Nesse caso, o Congresso seria pressionado a mudar a legislação.

O negócio da educação é importante item para a economia da Austrália e da Nova Zelândia, afirma Antonio Carlos Manfredini, professor de economia da FGV-Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas).
Na pauta de exportação de serviços, a educação corresponde ao terceiro produto de maior relevância da Austrália, segundo dados da OECD (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento). Em 2001, o país faturou cerca de US$ 2,5 bilhões.

O Japão, segundo Yuichi Tsukamoto, conselheiro em gestão estratégica e professor de MBA de marketing internacional, poderia estar pensando em uma ação estratégica. O país enfrenta dificuldades para exportar serviços de educação devido à língua. Um de seus principais produtos é a tecnologia de informação.

"Mas, observando o quadro dos países envolvidos, é possível dizer que o governo japonês está pensando em uma integração dos países do Pacífico. A troca de informações e intercâmbio de cultura poderiam reverter na aproximação em outros negócios", afirma Tsukamoto.

O ensino movimenta muito dinheiro no mundo todo, mostra pesquisa do governo canadense de 1995. O setor recebe investimentos de 5% do PIB (Produto Interno Bruto) em países desenvolvidos e 4% em nações em desenvolvimento. Nos EUA, os estudantes estrangeiros movimentaram aproximadamente US$ 7,5 bilhões, segundo a pesquisa.

Pressão por mudança

Pouco se sabe ainda sobre as consequências das discussões na qualidade, no acesso e no equilíbrio do comércio dos serviços de educação, afirma Renato Flôres, membro do grupo de especialistas da OMC e professor da Escola de Pós-Graduação da FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas).

"O primeiro passo foi dado, e será necessário ficar atento para não haver surpresas. A tendência é que haja uma pressão para a mudança de leis."

Para Flôres, os serviços de educação podem ser divididos em três principais categorias: os curso presenciais, com instituições instaladas no país, os cursos a distância e aqueles em que os estudantes se deslocam de país, em programas internacionais.

Náira Amaral, presidente da Associação Nacional de Faculdades e Institutos Superiores (Anafi), defende a desregulamentação das leis brasileiras. Ela diz que as entidades estrangeiras já são aprovadas em seus países e que o processo de regularização no Brasil é muito lento.

Segundo ela, a estrutura atual não atende à demanda. As universidades querem formar mais mestres e doutores para dar aulas em seus cursos. "Como fazer isso com programas de mestrado que só aceitam 20 alunos? A entrada de instituições estrangeiras para titular nosso corpo docente é bem-vinda."

Gabriel Mário Rodrigues, presidente do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo), é contra um acordo internacional. "O país que descumprir os compromissos firmados poderá ser condenado a pagar indenização ou ficar sujeito a represálias dos países provedores do ensino."

Banco Mundial já propôs mudar ensino superior

Uma política de influência de organismos internacionais econômicos na educação nacional já se manifesta desde os anos 90.
O documento do Banco Mundial chamado "Higher Education - The Lessons of Experience" ("Educação Superior - As Lições da Experiência"), de 1994, defende que universidades da América Latina deveriam abandonar o modelo de entidade que faz pesquisa, e partir para faculdades "não-universitárias" (institutos técnicos, cursos de curta duração).

Educadores criticam essa visão. Roberto Leher, coordenador do Observatório Social de Políticas Educacionais da América Latina, avalia que é uma tentativa de esvaziar as universidades.

Luiz Carlos Gonçalves Lucas, presidente da Andes (sindicato de professores universitários), afirma que "não querem que a periferia do mundo produza conhecimento e acumule capital".

Lauritz Holm-Nielsen, especialista em educação superior do Banco Mundial, diz que o documento de 1994 "é velho e está ultrapassado". O banco lançou dois outros documentos sobre o assunto em 2002 -um geral e outro sobre o Brasil, "Higher Education in Brazil: Challenges and Options" ("Educação Superior no Brasil - Desafios e Opções").

A análise deixa transparecer uma crítica a respeito da regulamentação no Brasil.

"Nos anos 90, (...) as instituições privadas são praticamente dependentes de seus cursos, sem mais ajuda de recursos públicos, mas ainda estão sujeitas a vários tipos de controle público", diz o documento.

Universidade norte-americana dispensa lei brasileira

ARMANDO PEREIRA FILHO

A American World University of Iowa (EUA) oferece cursos no Brasil de graduação, mestrado e doutorado a distância. Defende em seu site que não precisa se submeter à legislação local porque não está instalada aqui.

"(...) A AWU/USA não necessita de autorização de nenhum país para oferecer seus cursos em quaisquer áreas, modalidades ou níveis de ensino em seu próprio país", diz um trecho do site.

Mas isso não garante ausência de problemas. Um professor universitário brasileiro teve seu mestrado de educação feito na AWU rejeitado no mês passado.

Quando um brasileiro faz mestrado ou doutorado no exterior ou com instituição estrangeira, o diploma tem de ser validado por uma universidade daqui.

A UFRGS avaliou a dissertação e considerou que ela não tinha qualidade, negando a outorga de título de mestre para o candidato, segundo a professora responsável pela comissão de análise, Denise Leite. Ela não revela o nome do professor. O representante da AWU no Brasil não foi localizado para comentar o caso.

Quantidade e qualidade

O grupo Pitágoras, de Belo Horizonte, fez em 2001 uma joint venture com o grupo americano Apollo, dono da Universidade de Phoenix (EUA). A Apollo vende programas de ensino superior para países como México e Índia.

A Faculdade Pitágoras já implantou cursos de graduação em administração e engenharia de produção. Vai ter outros de direito e psicologia, por exemplo.

"A equipe é toda brasileira, mas usamos a tecnologia deles para conseguir qualidade em grande escala", diz Walter Braga, diretor do Pitágoras.

Ele afirma defender uma posição intermediária quanto à legislação sobre empresas estrangeiras na educação. "Nem devemos desconsiderar a legislação nacional, nem ter excesso de regulamentação", declara.

As Faculdades Europan, em São Paulo, já nasceram em convênio com a Universidade Lusófona, de Portugal. Segundo seu site, trata-se de "empreendimento universitário euro-pan-americano. (...) É um projeto bem brasileiro de índole transnacional e internacional". Oferece cursos como administração, comércio exterior, marketing, pedagogia e gestão turística e hoteleira.

A assessoria de imprensa informa que não há nenhum curso no momento em parceria com a universidade portuguesa.

Brasil adota posição defensiva nas discussões sobre educação

O Brasil adotou uma posição defensiva nas discussões sobre os serviços de educação na OMC e ficará atento para que o resultado delas não interfira nas leis do país, afirma o Ministério das Relações Exteriores (MRE).

Segundo o MEC (Ministério da Educação), não há restrições a estrangeiros implementarem instituições de ensino, associarem-se a entidades nacionais ou oferecerem cursos de longa distância. No entanto, todos os cursos devem receber permissão do órgão para funcionar, obedecer à LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e ser avaliados pelos sistemas existentes no país, como o Provão.

Assim, como não há discriminação das entidades externas ou limitações de acesso que seriam diferentes das que as empresas nacionais recebem, o Brasil já está dentro das regras do Gats, afirma Felipe Hees, coordenador nacional adjunto do comércio de serviços do MRE.

Segundo ele, as propostas salvaguardam a responsabilidade e a autoridade de os países regulamentarem suas políticas nacionais. "O país adotou uma postura de observação dos debates, para se certificar de que será mantido o respeito às normas brasileiras."

Paulo de Sá Porto, coordenador do curso de relações internacionais da Faculdade Trevisan, diz que as propostas passarão ainda por um longo processo até serem votadas, o que pode demorar dois ou mais anos.

Até o estágio atual, os 140 países-membros receberam as propostas e já foi formado o grupo de discussão que irá detalhar o projeto. Será redigido um texto, que deverá ser analisado pelo secretariado para entrar na agenda das rodadas de negociações, quando será votado.

Para Antonio George Ramalho da Rocha, coordenador da pós-graduação do Departamento de Relações Internacionais da UnB, os debates relacionados ao setor de serviços serão os principais assuntos da agenda internacional nos próximos anos. Segundo ele, as negociações sobre comércio de bens estão evoluídas, no entanto os acordos sobre serviços estão apenas começando.

"Será um debate difícil, pois é um produto que o consumidor não vê, não é palpável. Ainda, cada país possui uma legislação própria."


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