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31/03/2003 Undime

O ‘castigo’ da escola moderna

As tarefas de casa estão roubando a infância das crianças. Às voltas com questionários, listas de problemas, pesquisas e textos para leitura, elas não têm mais tempo para brincar. Passam metade do dia na escola e a outra, em casa, debruçadas sobre cadernos. O pior é que começam nessa rotina cada vez mais cedo, às vezes, aos 2 anos ou menos. Enquanto os pais trabalham, elas vão para a escola “para não ficar em casa vendo televisão”. Quando voltam, “é melhor que tenham tarefa de casa, para permanecerem ocupadas”. A escola virou babá. Mas qual será o efeito dessa sobrecarga na vida das crianças?

O livro Tarefa de Casa – Uma Violência Consentida?, da professora-doutora Martha Guanaes, publicado pela Edições Loyola, mostra que as crianças sofrem muito com isso. Elas gostariam que fosse diferente, especialmente com relação às tarefas de casa. De acordo com a pesquisa que subsidiou a elaboração do livro, 117 das 254 crianças entrevistadas se manifestaram a favor da extinção dessas atividades para que, assim, elas pudessem brincar (veja quadro).

Trinta e um dos entrevistados definiram a tarefa de casa como um castigo a que eles são submetidos pelos professores. E não é por acaso. As crianças dizem que, se a turma faz bagunça, a professora passa “bastante” tarefa. Se a criança não faz a tarefa de casa, tem de fazer tudo dobrado. E assim por diante. Martha Guanaes ficou tão estupefata com o resultado do estudo que hoje defende o fim da tarefa de casa até a 3ª série do Ensino Fundamental. A pesquisadora, que dá aulas nas Universidades Católica e Federal de Goiás, diz que, mesmo para séries mais adiantadas, a tarefa deve ser repensada.

Aprendizagem
A pesquisa mostra que, nas fases iniciais, a criança adora fazer tarefa de casa. Nesta etapa ela está descobrindo esse tipo de atividade e a quantidade de atividades repassada é pequena e a forma, mais criativa. Na 1ª série, o aluno leva um choque porque passa a ser mais exigido. Volta a gostar das tarefas nas séries seguintes, quando já domina o conteúdo, mas chega a detestar na 6ª série, quando os exercícios e deveres aumentam.

A professora apurou por meio da pesquisa que essas atividades sobrecarregam as crianças e os pais, geram conflitos entre a família, são meros exercícios de repetição baseados em fórmulas prontas e mecânicas e nem sempre se baseiam nos conteúdos dados em aula.

Em relação a esse ponto, Martha Guanaes conclui que a escola está transferindo para a família a responsabilidade de ensinar. “Os professores passam tarefas que os alunos não conseguem resolver sozinhos, baseadas em conteúdos novos para os alunos.” Reforça a conclusão da professora o fato de que quase metade dos professores entrevistados (eles e os pais também foram ouvidos na pesquisa) acha que os pais têm obrigação de ajudar os filhos a fazer tarefa.

Martha Guanaes resolveu explorar a tarefa de casa como tema da tese de doutorado que defendeu na Universidade Estadual Paulista (Unesp) por causa do próprio filho. Professora há 45 anos, ela diz que já fez (nos tempos de aluna) e já passou muita tarefa de casa, sem nunca ter pensado muito a respeito do assunto. Atentou-se para o problema quando seu filho entrou para a escola e começou a reclamar que não tinha tempo para brincar.

Hoje, Martha Guanaes não tem outra palavra para definir a tarefa de casa, especialmente para crianças muito pequenas: “é uma violência”. E ela explica tecnicamente o termo. “Se a criança está sendo privada da satisfação de suas necessidades básicas, que são brincar, descansar e estudar, elas estão sendo violentadas.”

Na sua pesquisa, Martha Guanaes identifica outro fenômeno relacionado à tarefa de casa também prejudicial ao ensino: o da terceirização. “Como não têm tempo de ajudar os filhos a fazer a tarefa de casa, os que podem pagam professores particulares para ajudarem ou fazer as tarefas dos filhos, para que eles levem as tarefas prontas e não sejam punidos na escola.”


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