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14/06/2005 Undime

O binômio quantidade-qualidade na escola pública

Muitos acreditam e as análises nas agendas globalizadas afirmam que a universalização da educação fundamental - uma das bases em que se assenta a escola pública - é o motivo do declínio da qualidade.

É necessário sublinhar que, no Brasil, antes da universalização da educação fundamental - quando apenas sete de dez alunos em idade escolar entravam na escola, já se dizia que a escola meritocrática não atendia às exigências do mercado nem às necessidades dos poucos que ali se matriculavam. Dos sete que entravam apenas três seguiam seus estudos. A evasão e o fracasso escolares eram imputados às condições socioeconômicas das famílias ou à falta de interesse, disciplina e hábito de estudo dos alunos.

Em segundo lugar, o acesso de todos à escola explicitou conflitos em posturas, exigências e críticas dos atores do processo educativo escolar - pais, alunos e professores. Esses conflitos expressam a dicotomia construída entre o acesso universal à educação e as oportunidades de sucesso escolar. Para entendê-la, temos de fazer um trabalho de desconstrução.

A classe média, em outra realidade econômica, garantia o futuro dos filhos com o controle de suas posses. A escola, direito de poucos, significava um espaço de acumulação do capital cultural. Hoje, em uma sociedade globalizada, a nova classe média, destituída de posses, sem meios de garantir a distinção que era feita pelo direito ao acesso à escola e sem posses para garantir o futuro dos filhos, busca construir outras formas de distinção. Uma delas é a escola. Para a classe média, a escola democrática não é "eficiente" para o fim que deseja, a escola precisa mudar, precisa voltar ao que era.

Para tanto, propõe uma política pedagógica orientada pelos princípios da escola meritocrática, uma escola que exclui, que reduz a educação/ formação/ conhecimento a exigências do mercado de trabalho.

Já os professores, oriundos da classe média, não "reconhecem" os "novos" alunos das classes populares como seus alunos, pois afastam-se da sua cultura e do que desejam. A incompreensão da diversidade gera o que se denomina daltonismo cultural, que leva os professores a emitir julgamentos desqualificadores sobre os alunos e a sentirem-se impotentes para lidar com eles. Sugerem que a escola democrática, inclusiva, é a responsável pela indisciplina, falta de interesse e incapacidade para aprender. A solução é a exclusão dos alunos "intrusos e inconvenientes" e o retorno a processos pedagógicos que "seguravam e controlavam os alunos". Em relação a esse aspecto, a mídia se encarrega de ser um grande porta-voz da nova classe média e dos professores.

Ora, a escola pública tem de aceitar os "desordeiros", os "sem-condições" os "sem-família estruturada", e não só os que têm "mérito", "interesse" e "disciplina". No desafio de entender a polêmica situada no binômio qualidade-quantidade, abrem-se veios para conduzir as reflexões para outra dimensão:

Como convencer a escola e a sociedade de que essas crianças, adolescentes, jovens e adultos que sempre foram excluídos da escola também têm o direito de aprender?

Como explicar que os educadores ainda têm muito a aprender com esses sujeitos e a ensiná-los?

Como entender que a diversidade de cultura, raça e religião, que nunca foi objeto de discussão na escola meritocrática, enriquece currículos?

Como pensar uma escola que acolha os que sempre nela estiveram e os que sempre dela foram excluídos?

Como pensar práticas que dêem conta de fazer com que os alunos permaneçam na escola e tenham sucesso escolar?

Este é o maior desafio dos educadores: superar essa dicotomia e construir uma escola de qualidade para todos e sem reduzir as exigências quanto aos saberes e às aprendizagens para que todos tenham acesso às condições necessárias para uma vida digna e justa.

Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva
Dirigente Municipal de Educação de Belo Horizonte
Presidente da Undime


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