14/09/2005 Undime
João Pedro Stedile coloca o fundo de ensino à educação básica entre as prioridades do movimento. Quase um milhão de crianças estudam sob lonas nos acampamentos
O Movimento dos Trabalhadores sem terra (MST) colocou na lista de reivindicações a aprovação da proposta de emenda constitucional que cria o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). A proposta está há três meses no Congresso Nacional sem que tenha sido votada em nenhuma comissão. A educação divide espaço agora com a liberação de crédito para desapropriação de terras e a liberação de crédito. “A maioria das escolas rurais não têm banheiro, biblioteca, ou quadro negro. Com recursos do governo federal vai dar um pouco mais de fôlego para estabelecermos condições mínimas das escolas do campo”, disse João Pedro Stedile, um dos coordenadores nacionais do movimento. “Fico apenado, andando pelo interior quando vejo as professorinhas contratadas pelos prefeitos em todos estados ganhando uma mixaria e sem nenhuma estrutura”, criticou.
Eliana Alves Teixeira, de 34 anos, mora em um acampamento do MST em União dos Palmares, no Mato Grosso do Sul. Dá aula de 1ª e 2ª séries do ensino fundamental para filhos de acampados e sonha com o dia em que terá uma sala de aula para trabalhar. Há quase dois anos, tempo em que está no acampamento, ela leciona embaixo de uma lona preta. “No período da tarde as crianças sofrem com o calor, os miolos chegam a ferver de tanto que fica quente”, relata. Além disso, a falta de estrutura faz com que a professora dê aula ao mesmo tempo para alunos nas duas séries. “Não temos livros suficientes e nem filtro para dar água limpa para as crianças.” Isso é que vem provocando repetência e evasão escolar.
“É preciso que a população se dê conta que a educação no meio rural é uma tragédia. Nenhum governo deu de fato a atenção que ela merece”, avalia Stedile. “O ensino fundamental está na mão dos prefeitos que vivem correndo atrás da onça para sobreviver. Eles vão pelo caminho mais fácil que é colocar uma kombi para trazer as crianças para a cidade.”
Faltam cursos
De acordo com números do Ministério da Educação (MEC), existem 987.890 estudantes em assentamentos, matriculados em 8.679 escolas de 1.651 municípios. Uma das maiores queixas é a baixa oferta de ensino médio. Apenas 4,3% dos assentamentos oferecem estudo para os jovens. De acordo com a professora Marli Zimermann, de 34 anos, responsável por sete escolas itinerantes, que se deslocam por onde vão os sem-terra no Rio Grande do Sul, apenas três dos 240 assentamentos tem ensino médio. “A maioria é de 1ª a 4ª séries. Os adolescentes escolhem entre parar de estudar ou sair de perto da família”, lamenta.
O nível de ensino fundamental da 1ª a 4ª séries é o mais oferecido pelas escolas. O atendimento de alunos é equivalente ao da média nacional - 95,7%. Só 3,5% têm creche e 30%, a pré-escola. A educação de jovens e adultos é oferecida por 0,7% das escolas. A superior, por 0,1%. O assunto é tema do 1º seminário Nacional de Educação Básica das Áreas de Reforma Agrária do MST, que reúne mais de 500 educadores formados no movimento, em Luziânia (GO). O ministro da Educação, Fernando Haddad, participou da abertura do evento.
Para ele, a falta de acesso à educação dos camponeses e cidadãos de classes menos favorecidas é tão violenta quanto as décadas de cerceamento à terra que impedem os pobres de sobreviver trabalhando na agricultura. “Há 500 anos, começou no Brasil o cercamento de terras, o que impediu os pequenos agricultores de trabalhar. Agora, o enfrentamento é outro: o que mantém os mais pobres longe do acesso à educação”, afirma. “A resposta é a aprovação do Fundeb.”
Estilo morde-e-assopra - Um dos mais influentes líderes do Movimento dos Trabalhadores sem terra (MST), João Pedro Stedile cobrou ontem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o cumprimento dos sete compromissos fechados pelo governo, após a Marcha pela Reforma Agrária, ocorrida em março. “É uma falta de ética do governo que assinou os termos conosco. Estamos pedindo que o governo crie vergonha na cara e libere dinheiro para as desapropriações além de estabelecer uma nova linha de crédito rural”, cobrou.
O presidente do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, concordou com parte das queixas do MST. “Nosso governo tem enorme dívida com os sem-terra no que diz respeito ao sistema de crédito. Já sabia disso antes de entrar no governo e confirmei agora. Não há como um assentado que sai de uma lona preta para morar em outra lona preta negociar com gerentes de banco e entrar nas letrinhas do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)”, reconheceu. Ele disse que é fundamental que o governo fortaleça o órgão. “Em dez dias, vamos divulgar edital para contratação de 1.300 funcionários para repor os quadros do Incra em resposta a um dos sete pontos fechados na época da marcha”, ressaltou.
Além do fortalecimento do Incra, o MST teve do governo garantia de cumprimento das metas de assentamentos, com a revisão dos Índices de Produtividade. Havia ainda a promessa na seleção para os assentamentos, os trabalhadores em acampamentos mais antigos, distribuição de cesta básica mensal para todas as famílias acampadas, liberação de recursos que estão bloqueados por decisão da equipe econômica e mais qualidade nos acampamentos. Para Stedile, o mais distante dos compromissos parece ser o das metas de assentamento. “Este ano, seriam 115 mil famílias. Até agora, apenas 4 mil receberam as terras”, criticou. Apesar disso, ele garantiu que não haverá o “setembro vermelho”. “Definimos autonomia para os estado. Cada um vai se mobilizar quando quiser para pressionar o governo quanto ao cumprimento dos sete compromissos da marcha de março”, disse. "Estamos pedindo que o governo crie vergonha na cara e libere dinheiro para desapropriações além de estabelecer uma nova linha de crédito rural", João Pedro Stedile, líder do MST.
João Pedro Stedile coloca o fundo de ensino à educação básica entre as prioridades do movimento. Quase um milhão de crianças estudam sob lonas nos acampamentos O Movimento dos Trabalhadores sem terra (MST) colocou na lista de reivindicações a aprovação da proposta de emenda constitucional que cria o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). A proposta está há três meses no Congresso Nacional sem que tenha sido votada em nenhuma comissão. A educação divide espaço agora com a liberação de crédito para desapropriação de terras e a liberação de crédito. “A maioria das escolas rurais não têm banheiro, biblioteca, ou quadro negro. Com recursos do governo federal vai dar um pouco mais de fôlego para estabelecermos condições mínimas das escolas do campo”, disse João Pedro Stedile, um dos coordenadores nacionais do movimento. “Fico apenado, andando pelo interior quando vejo as professorinhas contratadas pelos prefeitos em todos estados ganhando uma mixaria e sem nenhuma estrutura”, criticou.Eliana Alves Teixeira, de 34 anos, mora em um acampamento do MST em União dos Palmares, no Mato Grosso do Sul. Dá aula de 1ª e 2ª séries do ensino fundamental para filhos de acampados e sonha com o dia em que terá uma sala de aula para trabalhar. Há quase dois anos, tempo em que está no acampamento, ela leciona embaixo de uma lona preta. “No período da tarde as crianças sofrem com o calor, os miolos chegam a ferver de tanto que fica quente”, relata. Além disso, a falta de estrutura faz com que a professora dê aula ao mesmo tempo para alunos nas duas séries. “Não temos livros suficientes e nem filtro para dar água limpa para as crianças.” Isso é que vem provocando repetência e evasão escolar.“É preciso que a população se dê conta que a educação no meio rural é uma tragédia. Nenhum governo deu de fato a atenção que ela merece”, avalia Stedile. “O ensino fundamental está na mão dos prefeitos que vivem correndo atrás da onça para sobreviver. Eles vão pelo caminho mais fácil que é colocar uma kombi para trazer as crianças para a cidade.”Faltam cursosDe acordo com números do Ministério da Educação (MEC), existem 987.890 estudantes em assentamentos, matriculados em 8.679 escolas de 1.651 municípios. Uma das maiores queixas é a baixa oferta de ensino médio. Apenas 4,3% dos assentamentos oferecem estudo para os jovens. De acordo com a professora Marli Zimermann, de 34 anos, responsável por sete escolas itinerantes, que se deslocam por onde vão os sem-terra no Rio Grande do Sul, apenas três dos 240 assentamentos tem ensino médio. “A maioria é de 1ª a 4ª séries. Os adolescentes escolhem entre parar de estudar ou sair de perto da família”, lamenta.O nível de ensino fundamental da 1ª a 4ª séries é o mais oferecido pelas escolas. O atendimento de alunos é equivalente ao da média nacional - 95,7%. Só 3,5% têm creche e 30%, a pré-escola. A educação de jovens e adultos é oferecida por 0,7% das escolas. A superior, por 0,1%. O assunto é tema do 1º seminário Nacional de Educação Básica das Áreas de Reforma Agrária do MST, que reúne mais de 500 educadores formados no movimento, em Luziânia (GO). O ministro da Educação, Fernando Haddad, participou da abertura do evento.Para ele, a falta de acesso à educação dos camponeses e cidadãos de classes menos favorecidas é tão violenta quanto as décadas de cerceamento à terra que impedem os pobres de sobreviver trabalhando na agricultura. “Há 500 anos, começou no Brasil o cercamento de terras, o que impediu os pequenos agricultores de trabalhar. Agora, o enfrentamento é outro: o que mantém os mais pobres longe do acesso à educação”, afirma. “A resposta é a aprovação do Fundeb.” Estilo morde-e-assopra - Um dos mais influentes líderes do Movimento dos Trabalhadores sem terra (MST), João Pedro Stedile cobrou ontem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o cumprimento dos sete compromissos fechados pelo governo, após a Marcha pela Reforma Agrária, ocorrida em março. “É uma falta de ética do governo que assinou os termos conosco. Estamos pedindo que o governo crie vergonha na cara e libere dinheiro para as desapropriações além de estabelecer uma nova linha de crédito rural”, cobrou. O presidente do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, concordou com parte das queixas do MST. “Nosso governo tem enorme dívida com os sem-terra no que diz respeito ao sistema de crédito. Já sabia disso antes de entrar no governo e confirmei agora. Não há como um assentado que sai de uma lona preta para morar em outra lona preta negociar com gerentes de banco e entrar nas letrinhas do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)”, reconheceu. Ele disse que é fundamental que o governo fortaleça o órgão. “Em dez dias, vamos divulgar edital para contratação de 1.300 funcionários para repor os quadros do Incra em resposta a um dos sete pontos fechados na época da marcha”, ressaltou. Além do fortalecimento do Incra, o MST teve do governo garantia de cumprimento das metas de assentamentos, com a revisão dos Índices de Produtividade. Havia ainda a promessa na seleção para os assentamentos, os trabalhadores em acampamentos mais antigos, distribuição de cesta básica mensal para todas as famílias acampadas, liberação de recursos que estão bloqueados por decisão da equipe econômica e mais qualidade nos acampamentos. Para Stedile, o mais distante dos compromissos parece ser o das metas de assentamento. “Este ano, seriam 115 mil famílias. Até agora, apenas 4 mil receberam as terras”, criticou. Apesar disso, ele garantiu que não haverá o “setembro vermelho”. “Definimos autonomia para os estado. Cada um vai se mobilizar quando quiser para pressionar o governo quanto ao cumprimento dos sete compromissos da marcha de março”, disse. "Estamos pedindo que o governo crie vergonha na cara e libere dinheiro para desapropriações além de estabelecer uma nova linha de crédito rural", João Pedro Stedile, líder do MST.