17/09/2004 Undime
Práticas de Cidadania segue os passos de História da Cidania, obra que se tornou um marco teórico e uma referência obrigatória sobre o assunto no Brasil. Leia abaixo, resenha da publicação:
História da Cidadania, livro publicado em 2003 pela Editora Contexto, tornou-se rapidamente um marco teórico e uma referência: seu sucesso de vendas só foi superado pela repercussão que obteve, na mídia, na Universidade, nas instituições públicas governamentais e privadas, na vasta correspondência encaminhada à Editora enaltecendo a idéia da publicação e o resultado obtido. Autores e organizadores da obra fizeram muitas palestras e conferências por todo o Brasil, inclusive no Congresso Nacional. Modestamente, acreditamos ter respondido à pergunta que nos motivou ao conceber aquela obra, ou seja, "afinal, o que é cidadania"?
Restava, contudo, responder a outras espécies de indagações, estas de ordem prática: que importantes ações, no sentido de estender a cidadania a todos, estão sendo executadas em nosso país - e por quem? Quais os obstáculos que estão sendo enfrentados para que essas ações se concretizem? Quais os apoios recebidos e por parte de quem? Que desafios ainda encontram pela frente aqueles que, abrindo mão de interesses pessoais, partem para a prática cidadã, seja na qualidade de executores de políticas públicas, seja na condição de gestores de entidades civis, seja, até, como simples cidadãos responsáveis?
Práticas de cidadania é a resposta a estas indagações: convidamos uma série de cidadãos especiais para narrar suas experiências e, a partir delas, tentar traçar parâmetros que possam auxiliar, tanto a elaboração de políticas públicas mais consistentes, quanto à práticas empresariais mais comprometidas com a responsabilidade social, passando, evidentemente, pelo desenvolvimento de uma mentalidade menos auto-centrada e consumista - fruto, talvez, de um momento histórico em que parece que as utopias foram definitivamente vencidas pelo pragmatismo globalizado e carente de generosidade e humanismo.
Assim, por exemplo, o juiz José Renato Nalini discute os caminhos para o acesso efetivo e integral da população à Justiça e para uma ordem jurídica verdadeiramente justa e cidadã, onde os valores em prol da dignidade humana não sejam apenas adornos retóricos e declarações de boas intenções contidas no texto da lei. O promotor Vidal Serrano, por sua vez, discorre sobre a importância crescente do Ministério Público, que, ao atuar como uma espécie de "advogado da sociedade", tem feito de sua independência e vigilância uma ferramenta fundamental para a construção de uma verdadeira democracia em nosso país.
Uma democracia ainda imperfeita, em que permanecem abismos de desigualdades a separar e excluir parcelas significativas de nossa população. É o que demonstra, por exemplo, a partir de sua própria prática profissional, a advogada Rosana Chiavassa, ao evidenciar a disparidade no tratamento dedicado a homens e mulheres, a despeito dos avanços históricos conquistados pelos movimentos feministas e femininos nas últimas décadas. Do mesmo modo, o professor Duílio Duka de Souza destaca a ação de entidades que combatem o racismo na escola e o antropólogo Sidney A. da Silva, membro da Pastoral do Migrante, discorre sobre a necessidade de incluímos também os imigrantes no conceito de cidadania. Na seqüência, Rubens Naves, diretor-presidente da Fundação Abrinq, analisa o real significado do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - marco legal de importância basilar para, quando menos, servir de ponto de partida para começarmos a saldar, de fato, a enorme dívida social para com nossos crianças e jovens.
A seguir, Vanderlei Canhos, Dora Ann e Sidnei de Souza, especialistas e militantes na questão ambiental, chamam a atenção para a necessidade de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a preservação do meio-ambiente e, assim, relata uma série de ações em curso que buscam democratizar o acesso à informação ambiental em nosso país. Do mesmo modo, em uma época acossada pelo fantasma do desemprego estrutural, o economista Marcio Pochmann, com base na sua experiência como secretário estadual em São Paulo, descreve experiências bem-sucedidas de inclusão social por meio do acesso ao trabalho, que aqui é entendido não como uma mera obrigação impingida aos indivíduos em busca da sobrevivência diária, mas como um instrumento de emancipação e cidadania.
O professor Cândido Malta, diretor do movimento Defenda São Paulo, oferece-nos exemplos cotidianos de práticas efetivamente cidadãs - gestadas entre planejadores urbanos mas também no seio da própria comunidade - que trabalham para construir uma nova concepção de cidade, mais humana e mais propícia à convivência entre as pessoas. E, a partir da experiência da "Voz do Cidadão", contraponto à oficial "Voz do Brasil", o jornalista Jorge Maranhão nos informa sobre um projeto multidisciplinar de comunicação e de educação, que tem por objetivo discutir os direitos civis coletivos.
Educação, como não poderia deixar de ser, é palavra-chave. Afinal, está na ausência histórica de um projeto educacional consistente a raiz da maioria absoluta de nossas mazelas nacionais. O professor José Eustáquio Romão nos apresenta então as conquistas do projeto Escola-Cidadã, enquanto o jornalista Gilberto Dimenstein nos brinda com um emocionado relato da experiência do Bairro-Escola, projeto que ousou ultrapassar as fronteiras do muros escolares e estender o sentido de cidadania à rua e a toda a comunidade em seu entorno. O jornalista Galeno Amorim, logo em seguida, traz o exemplo de um programa municipal que conseguiu levar a leitura para as mãos de quem nunca havia folheado um único livro na vida.
Ainda na seara da educação, compreendida como o principal instrumento de promoção da cidadania, a psicóloga Milu Vilela e a pedagoga Neide Cruz descrevem outra série de experiências bem-sucedidas. Elas mostram como o exercício do voluntariado provou que a sociedade pode e deve assumir sua parte de responsabilidade social, deixando de encarar o Estado como seu único provedor. O mesmo que, em outros termos, defende o engenheiro Oded Grajew em relação aos empresários, executivos e investidores: para chegarmos a uma economia verdadeiramente sustentável, dependeremos de uma nova consciência social e de novas práticas, entre as quais a responsabilidade social empresarial é um valioso e imprescindível instrumento.
É preciso compreender, contudo, que a verdadeira cidadania não consiste simplesmente em "ajudar o outro", mas, na verdade, "servir ao outro", como bem observa o professor Stephen Kanitz, chamando a nossa atenção para que a chamada responsabilidade social não se torne apenas mais um modismo passageiro, um surto de marketing a mais entre os tantos que surgem no cotidiano das organizações. Uma nova consciência social não pode, por exemplo, fazer nenhuma espécie de concessão à violência e à corrupção, como mostra Eduardo Capobianco, presidente do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil, em dois textos escritos para este Práticas de cidadania: o primeiro assinado em parceria com o jornalista Cláudio Weber Abramo; o segundo, com o cientista político Paulo de Mesquita Neto. Ambos apontam para o mesmo ponto: a participação da sociedade organizada é valiosa, mas tem seus limites e, assim, é necessário que os cidadão cobrem do poder público a sua inegociável cota de responsabilidade.
Nesse sentido, após a professora Flávia Piovesan discutir a possibilidade de uma cidadania global, fruto do aprimoramento do sistema internacional dos direitos humanos, o livro traz dois breves textos, assinados pela secretária de Cultura de São Paulo, Cláudia Costin, e pela ministra do Meio-Ambiente, Marina da Silva. Os textos são curtos - por escolha das próprias autoras -, mas contêm reflexões e depoimentos não menos relevantes e significativos, que revelam o compromisso de duas figuras públicas que, apesar de atuarem em posições político-partidárias não necessariamente convergentes e em áreas aparentemente distintas, dão seu testemunho a respeito do mesmo e necessário engajamento em prol de práticas verdadeiramente cidadãs.
Não se trata, como se vê, de um livro com uma única resposta, mas com a sugestão de uma multiplicidade de caminhos possíveis, alguns já desbravados e com muitos transeuntes, outros apenas sugeridos, merecedores de atenção por parte daqueles que não acreditam que respostas a inquietações existenciais encontram-se apenas no fundo de um copo, no uso compulsivo do cartão de crédito ou no bisturi de um cirurgião plástico, mas, principalmente na solidariedade e na criação de uma sociedade mais digna.
Jaime Pinsky
Práticas de Cidadania
Editora Contexto - 2004
R$ 39,90 - 288 paginas
Práticas de Cidadania segue os passos de História da Cidania, obra que se tornou um marco teórico e uma referência obrigatória sobre o assunto no Brasil. Leia abaixo, resenha da publicação:História da Cidadania, livro publicado em 2003 pela Editora Contexto, tornou-se rapidamente um marco teórico e uma referência: seu sucesso de vendas só foi superado pela repercussão que obteve, na mídia, na Universidade, nas instituições públicas governamentais e privadas, na vasta correspondência encaminhada à Editora enaltecendo a idéia da publicação e o resultado obtido. Autores e organizadores da obra fizeram muitas palestras e conferências por todo o Brasil, inclusive no Congresso Nacional. Modestamente, acreditamos ter respondido à pergunta que nos motivou ao conceber aquela obra, ou seja, "afinal, o que é cidadania"?Restava, contudo, responder a outras espécies de indagações, estas de ordem prática: que importantes ações, no sentido de estender a cidadania a todos, estão sendo executadas em nosso país - e por quem? Quais os obstáculos que estão sendo enfrentados para que essas ações se concretizem? Quais os apoios recebidos e por parte de quem? Que desafios ainda encontram pela frente aqueles que, abrindo mão de interesses pessoais, partem para a prática cidadã, seja na qualidade de executores de políticas públicas, seja na condição de gestores de entidades civis, seja, até, como simples cidadãos responsáveis?Práticas de cidadania é a resposta a estas indagações: convidamos uma série de cidadãos especiais para narrar suas experiências e, a partir delas, tentar traçar parâmetros que possam auxiliar, tanto a elaboração de políticas públicas mais consistentes, quanto à práticas empresariais mais comprometidas com a responsabilidade social, passando, evidentemente, pelo desenvolvimento de uma mentalidade menos auto-centrada e consumista - fruto, talvez, de um momento histórico em que parece que as utopias foram definitivamente vencidas pelo pragmatismo globalizado e carente de generosidade e humanismo. Assim, por exemplo, o juiz José Renato Nalini discute os caminhos para o acesso efetivo e integral da população à Justiça e para uma ordem jurídica verdadeiramente justa e cidadã, onde os valores em prol da dignidade humana não sejam apenas adornos retóricos e declarações de boas intenções contidas no texto da lei. O promotor Vidal Serrano, por sua vez, discorre sobre a importância crescente do Ministério Público, que, ao atuar como uma espécie de "advogado da sociedade", tem feito de sua independência e vigilância uma ferramenta fundamental para a construção de uma verdadeira democracia em nosso país. Uma democracia ainda imperfeita, em que permanecem abismos de desigualdades a separar e excluir parcelas significativas de nossa população. É o que demonstra, por exemplo, a partir de sua própria prática profissional, a advogada Rosana Chiavassa, ao evidenciar a disparidade no tratamento dedicado a homens e mulheres, a despeito dos avanços históricos conquistados pelos movimentos feministas e femininos nas últimas décadas. Do mesmo modo, o professor Duílio Duka de Souza destaca a ação de entidades que combatem o racismo na escola e o antropólogo Sidney A. da Silva, membro da Pastoral do Migrante, discorre sobre a necessidade de incluímos também os imigrantes no conceito de cidadania. Na seqüência, Rubens Naves, diretor-presidente da Fundação Abrinq, analisa o real significado do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - marco legal de importância basilar para, quando menos, servir de ponto de partida para começarmos a saldar, de fato, a enorme dívida social para com nossos crianças e jovens. A seguir, Vanderlei Canhos, Dora Ann e Sidnei de Souza, especialistas e militantes na questão ambiental, chamam a atenção para a necessidade de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a preservação do meio-ambiente e, assim, relata uma série de ações em curso que buscam democratizar o acesso à informação ambiental em nosso país. Do mesmo modo, em uma época acossada pelo fantasma do desemprego estrutural, o economista Marcio Pochmann, com base na sua experiência como secretário estadual em São Paulo, descreve experiências bem-sucedidas de inclusão social por meio do acesso ao trabalho, que aqui é entendido não como uma mera obrigação impingida aos indivíduos em busca da sobrevivência diária, mas como um instrumento de emancipação e cidadania.O professor Cândido Malta, diretor do movimento Defenda São Paulo, oferece-nos exemplos cotidianos de práticas efetivamente cidadãs - gestadas entre planejadores urbanos mas também no seio da própria comunidade - que trabalham para construir uma nova concepção de cidade, mais humana e mais propícia à convivência entre as pessoas. E, a partir da experiência da "Voz do Cidadão", contraponto à oficial "Voz do Brasil", o jornalista Jorge Maranhão nos informa sobre um projeto multidisciplinar de comunicação e de educação, que tem por objetivo discutir os direitos civis coletivos. Educação, como não poderia deixar de ser, é palavra-chave. Afinal, está na ausência histórica de um projeto educacional consistente a raiz da maioria absoluta de nossas mazelas nacionais. O professor José Eustáquio Romão nos apresenta então as conquistas do projeto Escola-Cidadã, enquanto o jornalista Gilberto Dimenstein nos brinda com um emocionado relato da experiência do Bairro-Escola, projeto que ousou ultrapassar as fronteiras do muros escolares e estender o sentido de cidadania à rua e a toda a comunidade em seu entorno. O jornalista Galeno Amorim, logo em seguida, traz o exemplo de um programa municipal que conseguiu levar a leitura para as mãos de quem nunca havia folheado um único livro na vida. Ainda na seara da educação, compreendida como o principal instrumento de promoção da cidadania, a psicóloga Milu Vilela e a pedagoga Neide Cruz descrevem outra série de experiências bem-sucedidas. Elas mostram como o exercício do voluntariado provou que a sociedade pode e deve assumir sua parte de responsabilidade social, deixando de encarar o Estado como seu único provedor. O mesmo que, em outros termos, defende o engenheiro Oded Grajew em relação aos empresários, executivos e investidores: para chegarmos a uma economia verdadeiramente sustentável, dependeremos de uma nova consciência social e de novas práticas, entre as quais a responsabilidade social empresarial é um valioso e imprescindível instrumento.É preciso compreender, contudo, que a verdadeira cidadania não consiste simplesmente em "ajudar o outro", mas, na verdade, "servir ao outro", como bem observa o professor Stephen Kanitz, chamando a nossa atenção para que a chamada responsabilidade social não se torne apenas mais um modismo passageiro, um surto de marketing a mais entre os tantos que surgem no cotidiano das organizações. Uma nova consciência social não pode, por exemplo, fazer nenhuma espécie de concessão à violência e à corrupção, como mostra Eduardo Capobianco, presidente do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil, em dois textos escritos para este Práticas de cidadania: o primeiro assinado em parceria com o jornalista Cláudio Weber Abramo; o segundo, com o cientista político Paulo de Mesquita Neto. Ambos apontam para o mesmo ponto: a participação da sociedade organizada é valiosa, mas tem seus limites e, assim, é necessário que os cidadão cobrem do poder público a sua inegociável cota de responsabilidade. Nesse sentido, após a professora Flávia Piovesan discutir a possibilidade de uma cidadania global, fruto do aprimoramento do sistema internacional dos direitos humanos, o livro traz dois breves textos, assinados pela secretária de Cultura de São Paulo, Cláudia Costin, e pela ministra do Meio-Ambiente, Marina da Silva. Os textos são curtos - por escolha das próprias autoras -, mas contêm reflexões e depoimentos não menos relevantes e significativos, que revelam o compromisso de duas figuras públicas que, apesar de atuarem em posições político-partidárias não necessariamente convergentes e em áreas aparentemente distintas, dão seu testemunho a respeito do mesmo e necessário engajamento em prol de práticas verdadeiramente cidadãs. Não se trata, como se vê, de um livro com uma única resposta, mas com a sugestão de uma multiplicidade de caminhos possíveis, alguns já desbravados e com muitos transeuntes, outros apenas sugeridos, merecedores de atenção por parte daqueles que não acreditam que respostas a inquietações existenciais encontram-se apenas no fundo de um copo, no uso compulsivo do cartão de crédito ou no bisturi de um cirurgião plástico, mas, principalmente na solidariedade e na criação de uma sociedade mais digna.Jaime PinskyPráticas de CidadaniaEditora Contexto - 2004R$ 39,90 - 288 paginas