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19/06/2006 Undime

Fundeb acaba com déficit de creche

Só a aprovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação) pode reduzir o déficit de vagas nas creches e pré-escolas da região. A afirmação é das administrações municipais, que alegam não ter recursos para atender as cerca de 16,5 mil crianças com idade entre zero e 6 anos que hoje aguardam nas listas de espera.

O novo fundo que financiará a educação no Brasil substituirá o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério), que destina verba para a educação de alunos entre 7 e 14 anos. Com o Fundeb, municípios, Estados e o governo federal destinarão mais recursos - provenientes da arrecadação de impostos - à educação e estudantes de zero a 17 anos serão beneficiados.

Secretários de Educação das prefeituras da região criticam o método atual de financiamento, o Fundef, e dizem que os recursos ficam "engessados". Isso porque 60% da verba da pasta tem de ser, necessariamente, investido no ensino fundamental. O restante é dividido entre educação infantil, de jovens e adultos e ensino profissionalizante.

O Fundeb dará mais elasticidade aos investimentos, já que a verba não estaria condicionada à faixa etária dos 7 aos 14 anos. Sobrará, então, mais dinheiro para criação e manutenção de creches e escolas infantis. A secretária de Educação de Santo André, Cleuza Repulho, diz que em dois anos consegue zerar o déficit de vagas para crianças de zero a 6 anos quando o novo fundo entrar em vigor - a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e aguarda votação no Senado. O governo federal já colocou a aprovação do fundo como prioridade. Mas movimentos ligados à educação temem que a medida permaneça "trancada" na Casa por conta das eleições.

"Hoje, o ensino fundamental não carece mais de tantos investimentos, porque os alunos já estão incluídos na escola. Ainda que a Prefeitura aumente o repasse ao fundo, também vamos receber mais. Porque tanto o Fundef, quanto o Fundeb, pagam por aluno matriculado. Invisto mais, mas o meu retorno é maior", avalia a secretária.

Santo André tem cerca de 3,7 mil crianças em listas de espera, aguardando vagas nas creches e Emeiefs (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental) da cidade, e outras 1,2 mil incluídas no Projeto Sementinha, que atende quem está fora da escola em núcleos formados nas comunidades. Com o Fundeb, a Prefeitura estima receber R$ 10 milhões a mais por ano, se comparado ao que recebe pelo Fundef.

Mauá e Diadema afirmam que também esperam pela aprovação do fundo para alavancar o número de vagas em creches e escolas infantis, mas ainda não fizeram projeções de quanto esticarão os recursos - ainda não foi definido um valor per capita de repasse para cada modalidade de ensino.

Em Ribeirão, uma liminar judicial autoriza o município a não repassar os 15% de impostos ao Fundef, mas o município garante a adesão ao Fundeb. "Conseguiríamos receber cerca de R$ 3,5 milhões a mais do que investimos, do próprio bolso, hoje", avalia o secretário de Educação, Francisco Zampol.

Em São Bernardo, a vantagem, segundo o secretário de Ações Voltadas à Comunidade, Admir Ferro, não estaria num repasse maior de verba. "Seria vantagem pela flexibilidade dos recursos. Isso nos ajudaria a reduzir o déficit de creches. No final das contas, receberíamos R$ 2 milhões a menos com o Fundeb", calcula.

O assessor da Omep (Organização Mundial da Educação Pré-Escolar), Vital Didonet, diz que o Fundeb tira as creches e escolas infantis da condição de primo pobre do sistema educacional. "Pela primeira vez se tenta garantir recursos para a educação infantil. A creche é direito da criança, não assistência social. Sem dúvida será um avanço, e dará condições para diminuir o déficit de vagas, que no país é escandaloso."

Entenda mais

O Fundef, em vigor hoje, garante recursos apenas para o ensino fundamental, de alunos entre 7 e 14 anos. No Brasil, são 30,7 milhões de estudantes. Com o Fundeb, crianças e jovens de zero a 17 anos passam a ser beneficiadas pelo repasse, o que inclui 50 milhões de alunos em creches, pré-escola e ensinos fundamental e médio.

O Fundef é composto por 15% de uma cesta de cinco impostos arrecadados pelo Estado e pelo município. Já o Fundeb conta com 20% de outra cesta de tributos, formada por mais cinco impostos - 10, ao todo .

A contribuição dos municípios aumenta e, em muitos casos, os recursos disponíveis também, porque o repasse é feito por número de alunos matriculados nas redes municipal e estadual.

Cada Estado tem o seu próprio fundo; o Fundef arrecadou, em 2005, em todo o Brasil, R$ 33 bilhões - incluindo os cerca de R$ 400 milhões injetados pelo governo federal. A previsão do Fundeb é atingir os R$ 50 bilhões após quatro anos da implementação progressiva; a contribuição da União aumenta e chega a R$ 4,5 bilhões.

Hoje, só 11% das crianças brasileiras com idade entre zero a 3 anos estão nas creches, por falta de investimentos públicos.

Na região, 16,5 mil crianças de zero a 6 anos incompletos estão fora da escola, nas listas de espera das Prefeituras. Em Mauá, o déficit é de 5 mil vagas na educação infantil; em Ribeirão, 400; em Diadema, 4 mil; em Santo André, 3,4 mil; e, em São Bernardo, 3,7 mil.

Mãe empregada tem prioridade

Ao contrário das demais prefeituras da região, a de São Bernardo utiliza critério diferente para priorizar uma criança na creche. Enquanto as outras administrações dão preferência às em situação de alta vulnerabilidade social - desnutrição, violência doméstica, pobreza -, na cidade, o filho de mãe trabalhadora é o primeiro da fila.

O secretário de Ações Voltadas à Comunidade, Admir Ferro, diz que não é exigida carteira assinada para a inscrição à educação infantil. Mas que é preferível garantir a vaga a uma criança cuja mãe já está empregada. "Não posso priorizar uma mãe que não está trabalhando. Porque a outra pode perder o emprego por não ter com quem deixar os filhos. E então teremos duas desempregadas em vez de uma", analisa.

O conselheiro tutelar de São Bernardo Sérgio Linhares Hora condena o critério e diz que centenas de mães procuram o conselho para pedir que o caso seja levado ao Ministério Público. "A falta de creches agrava ainda mais o grau de miséria dessas famílias, que não têm como pagar pelo serviço. E vira um círculo vicioso."

As reclamações dos moradores sobre a deficiência do sistema educacional se transformaram em ação civil pública, movida pela Promotoria da Infância e da Juventude de São Bernardo em 2002. Em duas instâncias, a Prefeitura foi condenada pela Justiça a criar 8 mil vagas em educação infantil, déficit registrado na época do inquérito.

A Prefeitura se defende e, em reunião na semana passada com o Ministério Público, explicou que em quatro anos aumentou 6 mil postos na rede creches e pré-escolas. E se comprometeu a criar mais 4 mil, em dois anos, a partir do trânsito em julgado da sentença.

"Em 2002, tínhamos 23 mil crianças matriculadas na educação infantil. Hoje, temos quase 30 mil. Naturalmente, fomos diminuindo este déficit. Agora, precisamos superar o atual. E com os recursos mais flexíveis, do Fundeb, vai ficar mais fácil", sustenta o secretário.

Falta de vaga em São Bernardo força creches de improviso

A falta de vagas na educação infantil em São Bernardo dá margem para o improviso na periferia da cidade. Uma creche clandestina localizada no Areião atende a cerca de 100 crianças num prédio sem infra-estrutura adequada, e cobra mensalidade dos pais para conseguir manter as portas abertas. O Conselho Tutelar denunciou a irregularidade, mas não pediu o fechamento do espaço. Motivo: não há creche municipal no bairro e os alunos atendidos hoje correriam outro risco, o de ficar em casa sozinhos ou passar grande parte do dia nas ruas.

A Prefeitura diz que 3,7 mil crianças aguardam uma vaga nas 90 creches municipais e 27 conveniadas da cidade. O Conselho Tutelar contesta os dados da Secretaria de Educação e diz que a fila é bem mais extensa. Dos 638 novos casos atendidos pelo conselho de janeiro a março deste ano, 89 se referiam à falta de vagas no ensino de zero a 6 anos. "A maioria das crianças estavam em situação de risco, e mesmo assim não conseguiram a vaga. A Prefeitura diz que a mãe do aluno precisa estar trabalhando para matricular a criança. E uma enorme quantidade delas não trabalha exatamente por isso: por não ter onde deixarem os filhos", diz o conselheiro Sérgio Linhares Hora.

O Centro de Convivência Rafá, o espaço clandestino no Areião, foi a única alternativa encontrada por cerca de 100 famílias do bairro para conciliar trabalho e a educação das crianças. A proprietária, Rosângela Santos Silva, 40 anos, faz malabarismo com o parco orçamento para bancar o aluguel da casa, garantir a alimentação dos pequenos e dar uma ajuda de custo aos 12 voluntários que prestam serviço na creche.

Cobramos R$ 50 pelo período integral, e R$ 25 pelo meio-período. Não tem como ser diferente. Ninguém nos dá apoio. Não temos nenhum pedagogo nem especialista em educação trabalhando conosco. Só temos boa vontade", conta Rosângela.

Linhares diz que Rosângela se esforça para não transformar a creche num "depósito" de crianças. Mas a falta de projeto pedagógico prejudica o desenvolvimento dos atendidos. "Infelizmente, a situação está muito longe de ser ideal. A Prefeitura tinha de se responsabilizar por isso. A ausência de vagas fere o direito da criança e da família", avalia Sérgio.

As voluntárias de Rosângela brincam com as crianças, ajudam a fazer lição de casa, colocam os menores para dormir depois do almoço, do canto do "soninho". Quando a reportagem visitou o Centro, os alunos se deliciavam com a salada de frutas. Em casa, é artigo raro, contavam os pequenos.

A proprietária tem a creche há sete anos e diz que já tentou regularizar o estabelecimento na Prefeitura. "Eles exigem alvará de funcionamento. Mas o prédio foi construído em área invadida e eu não tenho a documentação. Pago R$ 1 mil só de aluguel. Estamos sem saída. E sabemos que as crianças precisam de coisa melhor. Mas não posso deixar na rua."

A mãe de um dos alunos, Cláudia Aragão, 30 anos, trabalha no Centro. Desempregada, decidiu aceitar o auxílio de R$ 150 mensais para garantir Cauã, de 2 anos, na creche. "Aqui a gente se ajuda. Não tem outro jeito. Pego livros emprestados da escola estadual aqui do lado e ensino as crianças a fazerem a lição. Aqui é tudo gente trabalhadora, que precisa da creche", conta ela. Rosângela diz que, apesar da dificuldade, tem o sonho de abrir o espaço também aos sábados. "Sei que muitos ficam sozinhos em casa."


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