Você está aqui: Página Inicial > Notícia > ABC da superação

Todas as notícias Categorias

22/10/2004 Undime

ABC da superação

Taicy Figueiredo depende de um rodízio de carros para dar aulas. Só chega à escola em que trabalha porque os professores resolveram juntos a falta de transporte. Sheyla de Souza vai a pé. Jeito encontrado para economizar os R$ 450, única fonte de sustento para o marido e os quatro filhos.

Motivos não faltam para essas brasileiras largarem o magistério. Mas elas vestem com orgulho o jaleco para trilhar uma rotina de lição. Embarcam em gincanas, viagens, festas, teatros, para despertar em crianças o gosto pelo aprender. Ontem, o empenho dessas professoras para manter a educação infantil recebeu reconhecimento nacional.

Taicy, Sheyla e outras 22 mulheres receberam o prêmio Qualidade na Educação Infantil 2004. Criado há quatro anos, são premiados projetos desenvolvidos em creches e pré-escolas do país que se destaquem pela criatividade, originalidade e possibilidade de multiplicação das experiências.

Neste ano, os organizadores do prêmio — Ministério da Educação, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Fundação Orsa — receberam 1.269 inscrições. A maioria delas, 552, vindas dos estados da Região Sul.

Cada uma das professoras levou R$ 3 mil em dinheiro e um baú com livros e materiais pedagógicos para serem usados em sala de aula. Sheyla nem titubeia ao dizer o que vai fazer com o prêmio, vencido com o projeto A Gameleira. ‘‘Vou comprar minha casa. Desde julho, moro emprestado na casa de um amigo do meu marido’’, diz. Aos 31 anos, a acreana caiu nas graças do Ministério da Educação por tentar acertar as contas com um problema de infância. ‘‘Estudei a Europa, América, Ásia, mas nunca me contaram a história do meu povo’’, lamenta.

‘‘Decidi contar pros meus alunos e despertar neles o orgulho de nossos antepassados.’’ A lição foi dada embaixo de uma árvore centenária. Cerca de quarenta crianças do Espaço Alternativo Alexandre dos Santos Leitão visitaram uma gameleira que foi palco da Revolução Acreana. As batalhas entre brasileiros e bolivianos deram origem ao Estado do Acre. ‘‘Eles aprenderam com sacrifício, mas não tiram as histórias da cabeça’’, conta Sheyla.

Sem um transporte para o passeio, as crianças caminhavam de 15 a 20 minutos para voltar à escola. ‘‘Os pais as deixavam na praça. E eu me virava para levá-los até a sala de aula.’’

Sucata e fusquinha

Taicy conheceu a Escola Classe Sonhém de Cima, na zona rural de
Sobradinho, no Natal de 2000. Foi como um presente. ‘‘Fui acompanhar meu marido, que era professor de lá, em uma festa. Decidi que queria a mesma coisa pra minha vida’’, conta a brasiliense de 28 anos. Razões não faltavam para a reação ser diferente. Instalada em um assentamento do movimento dos sem-terra, a escola é de improviso. Uma antiga casa de colonos virou sala de aula. Falta tudo: luz, saneamento, infra-estrutura. ‘‘Decidi explorar o problema. Como a coleta de lixo é semanal no assentamento, estimulei os meninos a usarem a sucata para fazer brinquedos’’, conta Taicy.

Nas mãos de meninos de quatro a seis anos, o lixo virou fantoche, carrinho, boneca, avião. A professora também ensinou cantigas de roda e organizou um teatro de mamulengos. ‘‘Com o tempo, meninos que nunca tiveram com o que brincar descobriram que eram talentosos’’, orgulha-se a professora. ‘‘Meu maior ganho foi despertar a auto-estima dessas crianças.’’

O Brincarte foi desenvolvido durante todo o ano passado. Neste ano, Taicy trabalha com meninos do ensino fundamental. Mas não abandonou a idéia. Os meninos, de 8 a 20 anos idade, fazem os mamulengos e escrevem as peças de teatro. O baú de livros, ganhado no prêmio, vai incrementar os textos. O prêmio de R$ 3 mil também têm destino certo. ‘‘Vou comprar um fusquinha’’, diz a professora. ‘‘É que eu e os outros professores da escola fazemos rodízio de carros para ir trabalhar.’’ Taicy gasta cerca de 30 minutos para chegar ao assentamento.

Tarso entregou uma kombi com material pedagógico a Rosana Schwartz

A comissão julgadora do Prêmio Qualidade na Educação Infantil 2004
escolheu, entre as 24 vencedoras, uma experiência de destaque. O projeto Resgate de Brinquedos e Brincadeiras de Nossos Pais, desenvolvido em Guarapuava/ PR, levou o mérito. E uma Kombi — com materiais pedagógicos, equipamentos eletrônicos e instrumentos musicais — doada ao município. O carro foi entregue pelo ministro Tarso Genro à secretária de Educação de Guarapuava, Rosana Aparecida Schwartz.

Estreante na profissão, Leliane Aparecida Cachuba comemora a vitória. Aos 30 anos, dois deles dedicado ao magistério, a professora descobriu um forma de incentivar a participação dos pais na educação das crianças. ‘‘Percebi que eles não tinham tempo para brincar com os filhos em casa. Então, fiz com que eles entrassem na brincadeira dentro da escola’’, diz. Para garantir o entrosamento, a diversão tinha que ser como antigamente. As crianças de quatro a cinco anos tinham que brincar como os pais. ‘‘Primeiro, eles construíram os brinquedos antigos em casa. Depois, vieram mostrar como é que se faz’’, diz a professora. Funcionária do estado há um ano, Leliane reclama do descaso
histórico com a educação no país.

‘‘Este ano, o município teve o primeiro concurso para professores de educação infantil’’, lamenta. ‘‘Ainda falta consciência de que a formação de cidadãos começa na infância.’’ Responsável pela entrega dos prêmio, o ministro da Educação, Tarso Genro, fechou a cerimônia de entrega com uma ‘‘confissão’’ que promete aliviar as queixas de Leliane. ‘‘O Lula me disse que quer entrar na história como o presidente da República que mais investiu em educação neste país’’, disse o ministro. Segundo Tarso, a criação do Fundo de Financiamento da Educação Básica (Fundeb) trará melhorias à educação infantil. Entre as vantagens do fundo, está a possibilidade de definição de um piso salarial para professores e trabalhadores da educação.

Lições de Mestres

Resgatando a família

Antes os pais deixavam as crianças na porta da escola. Agora, entram. E brincam com elas. A invasão dos adultos no Centro Municipal de Educação Infantil de Bonsucesso, em Guarapuava (PR), é culpa de Leliane Aparecida Arruda Cachuba. A professora percebeu que os pais não tinham o costume de brincar com os filhos em casa e decidiu estimular o contato dentro da escola. A condição era brincar como antigamente. Em vez de jogos eletrônicos, pipa, pião, amarelinha. O projeto de Leliane foi o grande vencedor do Prêmio Qualidade na Educação Infantil.

Resgatando a auto-estima

A garrafa plástica transformou-se em mamulengo. E as horas na escola, no despertar da autoestima. Na zona rural de Sobradinho, em Brasília, meninos de quatro a seis anos deixaram de vez a idéia de que não faziam nada que prestasse. A professora Taicy de Ávila Figueiredo recolheu o lixo espalhado pelo assentamento e ensinou as crianças a fazerem brinquedos. Valia soltar a imaginação, desde que as peças retratassem o folclore brasileiro. O Continuação desafio virou livro, peça de teatro, dezenas de brinquedos e confiança no próprio talento.

Resgatando a história Embaixo de uma gameleira, a professora Sheyla Silva de Souza começou a contar a história do Acre. A árvore centenária fica ao lado da escola, o Espaço Alternativo Alexandre dos Santos Leitão, em Rio Branco (Acre). Mas as crianças não sabiam que passavam todo o dia pela ‘‘testemunha’’ dos combates da Revolução Acreana, que deram origem ao estado. A visita à praça histórica virou desenho, maquete, gincana. E foi assim, brincando, que Sheyla despertou em crianças de seis anos o interesse e o respeito pelos antepassados.


Parceria institucional