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24/10/2017 Undime

Relatora da ONU para o Direito à Educação defende educação sem discriminações em seu relatório para a 72ª Assembleia Geral em Nova York

O documento relembra tratados internacionais contra todo tipo de discriminação na educação, condena a criminalização de movimentos de estudantes, e defende maiores investimentos em educação de qualidade. Trabalho da Campanha Nacional pelo Direito à Educação está reconhecido e destacado no relatório.


(Foto: Campanha Nacional pelo Direito à Educação)

A relatora da ONU para o direito à educação, Koumbou Boly Barry, apresentou relatório aos Estados-membros das Nações Unidas, nesta segunda, 23, com foco em equidade, inclusão e não discriminação. Ela lembra que diversos instrumentos internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – ratificado pelo Brasil em 1992 -, proíbem discriminações ligadas ao direito à educação, como aquelas baseadas em “raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, ou toda forma de opinião, origem nacional ou social, condição econômica, ou nascimento”.

“O Escola Sem Partido e outros grupos ultraconservadores, aqui no Brasil, ao defenderem uma educação acrítica e cerceadora, e ao travarem uma inquisição contra a igualdade de gênero e de orientação sexual, não somente estão se posicionando contra a Constituição Federal de 1988, como também na contramão dos principais dispositivos e diretrizes internacionais de direitos humanos. Por isso, é importante acompanhar o trabalho da Boly, que tem feito muito bem essas pontuações”, afirmou Daniel Cara, coordenador geral da Campanha.

Boly Barry reitera ainda que tais instrumentos “obrigam os estados signatários [o que inclui o Brasil] de ir além da simples proibição das discriminações, agindo para que o princípio de igualdade de oportunidades na educação se traduza na realidade, (…) formulando políticas nacionais com vistas a promover a igualdade de tratamento na educação”.

A relatora ressalta também que “a violência sexista impede as meninas de concluírem seus estudos”, explicando que a implementação efetiva de planos com foco na inclusão de mulheres e meninas passa pelo estabelecimento de orçamentos que considerem a questão da igualdade de gênero.

Em abril, Boly Barry, juntamente com David Kaye, Relator Especial para Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão; e Ahmed Shaheed, Relator Especial para Liberdade de Religião e de Crença, enviaram uma carta questionando o Estado Brasileiro acerca dos efeitos gerados pelo programa “Escola Sem Partido” no Brasil, especialmente no que tange os Projetos de Lei 867/2015 e 193/2016, recomendando a tomada de atitudes necessárias para conduzir uma revisão dessas proposições.

Além disso, em maio, 26 países recomendaram ao Brasil tomar medidas relativas a discriminações e violências movidas por questões de orientação sexual e/ou de gênero na Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU. No total, 45 países consideraram as recomendações e denúncias presentes no relatório da Campanha, que foi contemplado no relatório oficial da sociedade civil compilado pela ONU.

Koumbou Boly Barry descreve em seu relatório ainda que, dentre outras viagens, visitou o Brasil duas vezes. A relatora esteve, contudo, em quatro momentos com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, graças ao trabalho de articulação e incidência internacional da rede. O primeiro, no I Seminário Internacional da ReLus (Rede Lusófona pelo Direito à Educação), no Porto, em Portugal, em novembro de 2016; o segundo, em abril deste ano, quando veio a São Paulo, por ocasião de evento realizado pela Open Society Foundations; em seguida, encontrou o coordenador geral da Campanha, Daniel Cara, em Siem-Reap, no Camboja, na 8ª Reunião Mundial da Consulta Global Coletiva das ONGs (CCNGO); e, por fim, esteve em Brasília, a convite da Campanha, em junho, para o lançamento da iniciativa global 100 Milhões por 100 Milhões no Brasil.

Investimento adequado e equidade

A relatora aponta que neste momento em que os governos estão tomando medidas para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), devem ser examinadas e implementadas leis e políticas, com financiamento adequado e ser realizadas medidas específicas para atender às necessidades específicas dos alunos, através de decisões descentralizadas e consultas inclusivas com todas as partes interessadas, incluindo estudantes, pais e comunidades.

O documento aponta também que existe uma necessidade crítica de garantir o direito à educação das populações rurais, especialmente daquelas que vivem em áreas remotas. Estudantes rurais freqüentemente enfrentam longas distâncias para frequentar a escola e os professores muitas vezes relutam em suportar as dificuldades de ensino em comunidades remotas, especialmente sem qualquer tipo de valorização ou incentivo.

“É de vital importância promover a qualidade do ensino e da aprendizagem, com particular atenção às estratégias para localizar, apoiar e manter professores qualificados e treinados nas áreas rurais e melhorar as suas condições de trabalho”, reitera Boly Barry.

Ela recomenda maiores investimentos per capita pelos Estados para as escolas rurais, considerando a baixa densidade populacional e, muitas vezes, os altos níveis de pobreza entre a população rural. Boly Barry ressalta que os obstáculos, incluindo a relutância dos professores em viver em áreas remotas, altos custos de transporte ou longas jornadas para as escolas, podem ser abordados através de apoio financeiro adicional ou programas de educação inovadores. Afirma ainda que os Estados devem tomar medidas para garantir que a educação rural seja da mesma qualidade que a fornecida em ambientes urbanos.

“O Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), elaborado e proposto pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e previsto na meta 20 da Lei 13.005/2014, do Plano Nacional de Educação, segue esses parâmetros descritos pela relatora e garante todos os insumos necessários para uma educação inclusiva e equitativa para todas e todos, inclusive no meio rural. Infelizmente, ele vem sendo escanteado pelo governo e ainda não saiu nem 1% do papel devido a protelações contínuas dos governos Lula, Dilma e, principalmente, Temer. Por sorte, Boly conhece o nosso estudo do CAQi e ele a influenciou”, afirma Daniel Cara.

Luta contra o trabalho infantil

A relatora explica ainda que crianças e adolescentes de zonas rurais se encontram em situação de trabalho infantil e muitas vezes os próprios pais encontram barreiras para que seus filhos frequentem a escola, especialmente quando há custos associados à matrícula escolar, transporte, uniformes ou materiais.

Hoje, 2,7 milhões de crianças e adolescentes brasileiros estão em situação de trabalho, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015. A tendência de queda nos índices de trabalho infantil está em risco devido ao crescimento entre a população de 5 a 9 anos por três anos seguidos e na agricultura.

O aumento é inaceitável e preocupante, na avaliação do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI, parceiro da Campanha na iniciativa 100 Milhões por 100 Milhões, que pretende mobilizar 100 milhões de pessoas, estimulando especialmente os jovens, para lutar pelos direitos de 100 milhões de crianças que vivem na extrema pobreza, sem acesso à saúde, educação e alimentação, em situação de trabalho infantil e completa insegurança.

Contra criminalização de estudantes

O relatório ainda explicita que jovens são vítimas de discriminação por não serem consultados e ouvidos, seja na escola ou em outros contextos educativos e sociais. Boly Barry ressalta que, na Agenda 2030 para a educação, é reiterado que é importante reconhecer as crianças, os adolescentes, e os jovens como detentores de direitos e como interlocutores legítimos no que diz respeito à formulação e implementação de políticas de educação, em todos os níveis políticos.

Conhecedora dos movimentos de ocupação de escolas no Brasil e em outros países e do processo de criminalização desses estudantes, a relatora afirma que “em alguns contextos, eles são considerados criminosos, são objeto de discriminação por suas opiniões políticas e vêem suas liberdades de pensamento, de expressão e de associação violadas”.

Regulamentação de escolas privadas

A relatora especial recorda no documento que as obrigações dos Estados de realizarem o direito à educação incluem a obrigação de regulamentar instituições educacionais privadas, conforme previsto no Comentário Geral n° 24 (2017) sobre as obrigações dos Estados no âmbito do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

“Os fornecedores privados devem estar sujeitos a regras rígidas que lhes impõem obrigações para o serviço público. As escolas privadas não devem ser autorizadas a exercer qualquer tipo de discriminação e devem estar sujeitas às mesmas regras de inclusão e admissão que qualquer instituição pública, em particular proibindo a expulsão de alunos com pouca performance. Além disso, as dificuldades econômicas nunca devem ser uma desculpa para as escolas com fins lucrativos não cumprirem os padrões nacionais de inclusão. Os Estados também devem assegurar que nenhum sistema escolar privado crie discriminação ou segregação econômica no sistema educacional”, reitera.

Defesa da educação inclusiva

A relatora ainda sublinha que é largamente comprovado que a educação inclusiva é pouco onerosa e permite aos estudantes atingirem melhores resultados. No que diz respeito à oferta de educação especial, explicitou que os estabelecimentos não-educacionais que oferecem esse tipo de educação “só devem ser considerados como último recurso”.

Ela relatou ainda que as pessoas com deficiência acabam sendo invisibilizadas nas políticas educacionais, especialmente por conta da falta de dados e também pela baixa formação dos professores para resposta às suas necessidades. “As escolas permanecem fisicamente inacessíveis”, comenta.

Segundo Daniel Cara, “o Brasil está regredindo em termos de educação inclusiva”. Para ele, o Governo Temer está retrocedendo, desconstruindo políticas que foram desenhadas em consonância estreita com compromissos internacionais assumidos pelo país desde FHC, mas com um enorme salto de qualidade nos governo Lula e Dilma: “estávamos progredindo na busca pela consagração dos direitos educacionais das pessoas com deficiências, não mais. Um caminho para reverter tal cenário é implementar o CAQi, previsto no PNE”.

Fonte: Campanha Nacional pelo Direito à Educação

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